Especial 1 ano sem Beth Carvalho

A relatividade do tempo é uma coisa muito louca. A física clássica prega que o tempo transcorre da mesma forma para qualquer que seja o referencial adotado. Essa tese vai por água abaixo quando pensamos em um ano de morte de Beth Carvalho. Pouquíssimo tempo se levarmos em conta a vida que o nome e a obra têm no Brasil do povo e uma eternidade, se pensada a ausência da figura Beth Carvalho, de sua representatividade. Ela está presente, tanto quanto o vazio de sua ausência.


Um ano sem ela é muito, pois era a caracterização artística, ou uma delas, de um Brasil com futuro, de um Brasil pra frente, de uma sociedade mais inteligente, de um Rio de Janeiro progressista, mesmo com suas eternas e históricas mazelas e surrealismos. Beth é da geração nascida nos anos 40, uma geração que rendeu ao Brasil grandes nomes, principalmente nas artes – um antagonismo em relação à geração de 90 – e nunca deixou de se posicionar, como cidadã e como artista. Beth tinha uma credibilidade na expressão que sempre beneficiou o samba. Sua elegância, sua fala articulada faziam o samba entrar pela porta da frente em todas as situações e para os que insistiam em desqualificar ou ridicularizar o segmento, Beth lançava um olhar fulminante e um argumento irrefutável que botava no lugar qualquer nariz torto com a eficiência de um Pitanguy.

Ao longo do tempo poucos se atreveram com o samba enquanto este esteve sobre sua proteção. Essa coragem e posicionamento, infelizmente não foram herdados pela maioria de seus afilhados, que parecem vegetar enquanto o samba e a cultura brasileira reprimidos, aparentemente em nome de uma carreira sólida, como se uma coisa anulasse a outra. Beth era de uma geração de pessoas e de uma espécie de gente que faz muita falta ao Brasil, em especial esse Brasil que enaltece a ignorância, que usa ferramentas tecnológicas facilitadoras para tornar tudo raso e simplista, para se tornar pior. Numa sociedade em que os “bunda mole” proliferam-se a mil, qualquer tempo sem pessoas como ela é muito tempo.


Na carreira Beth teve uma obra irretocável, não foi compositora assídua, salvo engano gravou apenas uma música de sua autoria, a belíssima “Canção de Esperar Neném” (em parceria com Paulinho Tapajós no LP Sentimento “Sentimento Brasileiro” de 1980) porém, seu bom gosto e esmero na escolha de seu repertório e o faro para encontrar criações e criadores equivalem a um compositor genial. Esse faro, fez de Beth Madrinha, madrinha mesmo, sem agenciamentos cafifas, sem rufiar afilhado como fazem “mumuzinhos” com outros “zinhos” e “inhos”. Ninguém descobriu e trouxe tanta gente boa a cena. Beth alimentou o samba, deu gás para se proliferar – o que seria do samba nos últimos 30 anos sem as investidas delas aos subúrbios, morros e terreiros em geral? Beth também foi elo principal entre o samba tradicional que antecedia sua ascensão e formou sua identidade com o pagode que ajudou a levar aos palcos e estúdios. Até o fim da vida Beth foi fiel à instrumentação e à sonoridade encontrada no Cacique de Ramos nos anos 70, aos afilhados e à Velha Guarda e ao samba que se fazia antes disso. Até o fim Beth levou o banjo, o repique, o tantã ao palco assim como levou a música de Cartola, Nelson Cavaquinho, ornando magistralmente Chico Buarque, Dorival Caymmi com Sombrinha, Arlindo Cruz, Almir Guineto, Quinteto em Branco e Preto. Beth foi catalizadora de tudo de bom que foi feito em samba nos últimos 100 anos por isso. Em relação à obra e à representatividade da artista, um ano não é suficiente para evidenciar qualquer vazio, a densidade de sua trajetória artística é maior que o tempo.


Em um país com memória tão curta, sempre se corre o risco de o tempo anular qualquer feito, mas se tratando de Beth Carvalho creio na exceção. Sua obra está aí vivíssima, sua importância nas articulações artísticas beneficiarão o Brasil e a música brasileira por muitos anos, esse Carvalho genealógico dará muitos frutos e será impossível desvencilhar Beth do Carvalho. Um ano sem Beth é a prova da relatividade conforme a Física moderna, a dilatação do tempo para uma só figura! Beth Carvalho faz falta para o país, mas, viverá para sempre nos corações do brasileiros. Os frutos podem cair (olha a lei da gravidade aí, malandro!), mas o Carvalho não!

por Cassio Guerreiro

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