Seção Saideira: “- Beto, meu camarada, traz aquela cervejinha. Preciso gelar a guela!” (Nei)

– Beto, meu camarada, traz aquela cervejinha. Preciso gelar a guela! – Nei se ajeitou na banqueta do balcão como um cachorro se aninha no tapete preferido.

– Olha quem voltou! Meu velho Nei, o mais ranzinza desse botequim. E você voltou em ótima hora, heim? Bar quase lotado, alegria de morte desse pessoal… – Beto abriu os braços, mostrando o cenário.

– E como vou tomar sem máscara, Beto? É tipo tomar no rabo sem vaselina. Parei de vir aqui. Vizinho morreu, cachorro morreu, peixe morreu e me fodi nessa. Eu que não vou ser o próximo dessa lista de vacilação.

Nei virou a cara carrancudo e despejou:

– E, se liga, nesses dias de descanso de boteco me rendi pra essas lives…e só me confirmou: uma merda. Não me pega. Som ruim, imagem ótima. Isso é música ou desfile de moda? Os caras fazem cenário, nego até finge que tá no palco. E o pior: vêm aqueles apresentadores com discursinho montado parecendo espontâneo falando pro público como se fossem idiotas. E fiquei pensando: isso não é aproximar o artista do público, porra! É aproximar a marca do óbvio.

– E a casa dessa patronagem, heim? A casa do Alexandre Pires é um condomínio…mas a do Zeca e foi na casa, mas o cenário foi ducaraio!

– Essa imagem vendida da vida privada, enquanto a maioria sem nenhum tá na merda, é propaganda da miséria aceita que vivemos. Nego baba ovo pra um monte de artista vendido e rendido nessa imagem do miserê generalizado. A real é que quem banca essa porra é patrão do miserê, entende?

– Pode ser…bebeu rápido, heim? É pra tirar o atraso? Vai continuar aqui no canto do bar? Não quer uma mesa fora?

– Eu quero é meu perdigoto voando na cara da gentalha, essa é a verdade. Se liga, em que país nego acha que estabilização em patamar alto é bom? No Brasil a economia tem espasmos na nossa história; mas o coronga mostrou que essa é a nossa economia de verdade. Mata uns, dá uma aliviada na previdência, como uma desgraçada falou, arma toda a gentalha e a guerra tá toda articulada.

– E esse papo do novo normal, Nei?

– Vamo todo mundo tomá na bunda com a esperança da roda girar de novo. Lá o Putin e os filhos do Putin. E se fosse o Trump, seriam os filhos desse alaranjado. Cá pra nós: o nosso normal é uma gentalha branca de bem que só pensa na sua carreira medíocre pra fingir que se afirma em algum lugar, quando é que se afirma. Não tem laços, a não ser com uns outros branquelos, só quer escadinha pra pisar no outro. E adora ser capitão do mato, patrãozinho de condomínio, é só ver a primeira oportunidade. Então o novo normal é a mesma merda, só que diferente. É bosta revirada.

– Nei, se liga! li num biscoitinho chinês: Se você tentou falhar e conseguiu, você descobriu o que é o paradoxo.

– E essa gentalha nem sabe o que é paradoxo e acham que estão se dando bem. O João Antonio chamava de “classe mérdia”.

– Hoje o papo tá fedido, né? – arrebatou o garçom.

– Aliás, Beto, vá cagar! Ficar bebendo do lado do banheiro não dá…antes eu ficava como rei, agora pra viver fico aqui à beira da merda.

– E esse não é o novo normal?

Nei se ajeitou como um cachorro, nem lá nem cá…a bunda, naquela banqueta, não tinha mais remendo… nem pra vacina do Putin.

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