(realizada por Fernanda Guimarães em 02/02/2010 / foto de capa: Fernanda Guimarães)
“Agora quem vai falar de mim sou eu”
É importante começar lembrando a data de hoje, dia 2 de fevereiro, esperando que Iemanjá nos traga novas esperanças. A minha trajetória no samba começou praticamente de berço, porque minha mãe não era passista nem nada, mas ela fazia fantasia para o Império Serrano. Quando eu nasci, eu realmente não tinha nem noção do quê que era o Império Serrano, mas com o passar do tempo…
A gente ficava ouvindo meus pais, meus tios, vizinhos, inclusive eu morava na mesma avenida que a Dona Ivone Lara, que eu não consigo chamar de Dona Ivone Lara porque eu me acostumei chamá-la de tia Ivone Lara. Todo dia eu saía da minha casa, já ia tomar café da manhã na casa dela, e aí escutava as histórias, como é que foi fundado o Império, e isso a gente vai guardando na memória. E, com o decorrer do tempo, minha mãe, quando podia, me fantasiava pra desfilar. Numa determina época, ela me levava lá embaixo para ver sair as alegorias do Império, que era tudo feito lá em cima, de modo artesanal mesmo: o cara que é pintor é que fazia os desenhos da fantasia, o componente, tinha uma arte, entende? Tinha um tema, e aí, o que é que eles faziam? O tema era… Tiradentes. Era sempre História do Brasil em geral. Então os carnavalescos entravam nesse momento, tinha um que idealizava uma história. Cada escola tinha esse momento. Então ali, ele passava pro compositor, o compositor tinha livro, lá, ia ler, trabalhava, tirava aquilo e dali ele criava o samba. Bom, isso é a fase que eu conheci mais ou menos. Então comecei por aí, vamos dizer assim.
Minha vida em casa era normal, de irmãos éramos só eu e minha irmã. Minha mãe costurava para fora… Ficava lá com aqueles trapos, e ela tinha que trabalhar pra sustentar o casal, então não tinha muita regalia para fazer muitas coisas, não. Com meu pai a gente não teve quase contato. Aqueles negócios deles lá, mas intimamente era uma pessoa legal. Isso aí é uma coisa que eu não posso nem dizer como é que foi. Em relação a mim, não tenho muita coisa para falar, nem de ruim, nem de bom. Eu digo isso porque as pessoas, quando me viam, sempre relacionavam com as amizades que ele fazia. E dizem que eu sou do mesmo tipo de relacionamento; eu ouço, até hoje, que faço da mesma forma que ele fazia. Independente dos problemas dele.
Ele era imperiano. Fazia parte da fundação do Império, foi diretor de bateria, um dos primeiros. Até eu ia um pouco, muita gente nem se lembra. Ele era conhecido como Dinho. Naquela época não tinha esses negócio de mestre de bateria. No máximo o que tinha uma bateria eram dois dirigentes. Hoje em dia, na escola de samba, tem dirigente de tamborim, dirigente de palma, dirigente de etiqueta, tem dirigente de tudo, mas você olha para uma bateria de escola de samba, é o maior barato.
Minha mãe sempre falava que eu sempre gostei de estar envolvido, pegando nos instrumentos. Tinha muita roda de samba lá, na Serrinha, então eu era aquele garoto intrusão mesmo, eu via lá, aquelas rodas de samba do mestre Fuleiro, Silas de Oliveira, Ivone Lara. Eu era aquele garoto que chegava lá, pegava os instrumentos. Alguns mandavam parar, outros:
– Deixa o garoto… e não sei quê. Ele vai bem.
Tinha aquelas histórias assim, com meus colegas também, e às vezes eu tentava arranhar um violão. Só que depois de uma determinada época, tinha que estudar, tinha colégio, então não dava muito tempo para a gente ficar tão dentro de escola de samba. Só quando tinha visita, aí minha mãe me levava lá pro morro, para assistir aos ensaios, mas eu não desfilava, eu não era assíduo assim.
Era tudo muito rígido, tinha restrição de idade, ou tinha que acompanhar os pais… Os garotos que desfilavam, as crianças da minha idade – de seis, sete anos – às vezes, até os de dez anos de idade, normalmente eram filhos de diretor, e o diretor tinha uma facilidade maior de arrumar permissão pra desfilar. Então como que minha mãe fazia? Ela, como costurava um pouco para as alas, me colocava, botava uma fantasia da minha irmã, que era uma baianinha, ou qualquer coisa que tivesse na época, e botava uma fantasia, com a cor do Império Serrano, mas eu só ficava por ali, e ela me levava para Madureira, me lembro bem… E pra todos os efeitos, eu estava desfilando no Império Serrano!
A partir dali, cheguei a passar por outros lugares, desfilei em outros blocos. Eu sempre fui envolvido com samba de uma certa maneira. Inclusive desfilei em blocos fora mesmo de Madureira, fui convidado para um bloco
– Ah, convida esse garoto aí que ele é lá do Império Serrano.
Que eu fui morar em outro lugar, quando fundaram um bloco ali no Largo do Sapê. O Largo do Sapê, para quem não sabe, é em Rocha Miranda. Então tinha um bloco lá, como eu não podia desfilar no Império, com meus oito, dez anos, não me lembro bem… Mas lá podia, porque o desfile era só no bairro. Então não tinha esse negócio. Para desfilar, minha mãe juntava minha irmã e eu e ia para a avenida, ver o desfile. Mas a gente, mesmo, não desfilava, porque a gente não tinha idade pra isso. Quer dizer, praticamente eu comecei a me envolver com o Império a partir da maioridade. Antes não tinha muito envolvimento, mas sempre gostando, assim como curtia outras coisas, também.
Curtia outros tipos de música, com certeza, porque eu vivia todo o tempo ouvindo Império Serrano, indo para o Império Serrano, mas só que também gostava de ouvir outros ritmos musicais, até porque… Minha mãe disse que eu, quando dormia, acordava batucando, sonhava batucando. Quer dizer que… Essa minha relação com o ritmo já vem desse tempo. E olha que eu não ficava muito envolvido assim, não. Quer dizer que, então, eu ficava ouvindo, é claro, e muitas coisas eu sei da história do Brasil porque eu ficava igual àquele garotinho, assim, fingindo que não estou vendo nada, mas escutando tudo. Criança é assim, não é? Todo mundo:
– Ah, ele não tá prestando atenção.
Que nada, estava sim, prestando atenção, e lá eles contavam as histórias da fundação, de quem fez, quem não fez… Até que, dos meus 13 até meus 18 anos, eu não era envolvido diretamente com escola de samba em geral. Eu ia, quando me levavam, tia ou tio, ou amigo dos meus pais, mas naquela época não tinha aquela responsabilidade de ser assíduo.
E também eu estava na influência de tudo, porque era a época da minha adolescência. Na pré-adolescência eu peguei twist, aquilo ali era… Quando se fala que o brasileiro pega ritmo importado, naquela época já se pegava, tanto que o americano sempre foi, sempre existiu aquele imperialismo… A gente até não tinha noção, que muitas vezes a juventude de hoje tem. Logicamente que a gente era influenciado por esse ritmo que vem de fora, e eu estava no meio dessa rapaziada, como é que eu ia, naquele momento, pensar em ir para escola de samba, se todo mundo da minha juventude ia curtir rock, depois veio black? Veio uma porção de ritmos, a soul music. Até os meus 20 e poucos anos, eu ainda curtia esse lance.
Claro que eu estava sempre na escola de samba, a partir dos meus 20 anos. E eu ficava vendo, ensaiando lá, eles tinham me chamado, me convocado para sair no primeiro grupo de samba show do Império Serrano, aliás foi até um pouquinho antes de completar 20 anos, porque realmente, tinha ala de lá que não dava para a gente sair, até por questão financeira mesmo, que a escola não oferecia condições…
Aí fizemos, a gente saiu no conjunto Samba Show Imperial. Mas só fui me identificar mais com o samba quando o Império veio para a Avenida Ministro Edgard Romero[1], onde era o antigo Mercadão de Madureira. O Império antes estava sem quadra. Mas nesse período eu não era muito assíduo por causa dessas outras influências, às vezes eu estava numa festinha, se formava uma festinha, todo mundo sabia que eu era Império Serrano, sempre era apontado como o “escurinho do samba”. Quem falasse de samba vinha falar comigo, mas só que antes do samba eu também gostava de namorar, e minha namorada não ia para samba. Até porque, o negócio era a influência do ritmo importado, que era o rock, era o twist, aí veio a turma da Jovem Guarda, isso tudo nós curtimos, a gente da minha geração… Nessa minha época de adolescente, poderia ser até do samba, mas curtia muito isso também, porque eu era, como se diz, um produto da época, então eu participava disso, automaticamente.
É tudo problema de época, não é? Cada época é uma época, a gente não pode querer também ficar aqui detonando… Se o time não estivesse dando certo, aí teria que manter aquilo, mas como está dando certo, aí se fazem essas mudanças. Eu acho que são até bem-vindas, porque poxa, hoje em dia… Até eu peguei um bom período sendo diretor de bateria, ia à frente da bateria com bastão e um apito. Hoje em dia eu acho até complicado, para a gente que pegou essa época aí, a gente tem que fazer até um curso, porque agora pros mestres de bateria é tudo no sinal, dedo pra lá, dedo pra cá, mão pra cá, e nem a gente consegue entender. Antigamente era mais simples… Mas tudo é problema de momento, é produto de época mesmo. É legal também. Não tenho muito o que falar disso, não.
Hoje em dia eu desfilo todo ano. E também, há dez anos agora, eu fui convocado para representar, digamos, um grupo que já existia no Império Serrano, que era o dos fundadores da escola. Alguns anos atrás existia um grupo que representava o lado musical da velha guarda do Império, a Velha Guarda show. Então há dez anos, numa gestão da ex-presidente, ela pediu para convocar algumas pessoas. O Império e todas as escolas estavam formando Velha Guarda musical. Então, quando fomos convocados, tinha filho do mestre Fuleiro, outros eram sobrinhos do Seu Zacarias, que foi um dos fundadores. Eu, também, todos os parceiros que estão na Velha Guarda hoje. Quando não é filho de gente que participou desse movimento. Tem alguns que têm parentesco com alguém que fundou a escola. Então nos convocavam:
– Primeiro, vamos ver se o pessoal ainda está… Disposto a sair, que ainda tem gente viva aí que está em pé, aí. Vamos saber a disposição deles, nós não vamos já entrando assim, de cara que, nós não podemos, não estamos com…
Vamos dizer na gíria, não é?
– Não estamos com essa bola toda pra querer representar a velha guarda do Império Serrano, que nós não fundamos a escola, primeiro temos que perguntar aos primeiros, que fundaram.
Foi quando eles liberaram:
– Não, deixe que a gente está fazendo outras coisas, vocês fazem, representando…
Foi um dos fundadores que disse, que teve essa idéia de fazer a segunda gestão da Velha Guarda musical, que é a Velha Guarda show. Aliás, o Império, quando voltou com esse grupo, foi o primeiro grupo a denominar Velha Guarda show Imperial. Hoje em dia todas as velhas guardas estão falando, fazendo isso. Porque as pessoas, quando falavam assim:
– Ah, tem uma festa da ala, tem uma festa da velha guarda de tal escola em tal lugar.
Aí, coitado, o pessoal não sabia e confundia, achava que a gente ia fazer show nesse lugar. Então nós somos a Velha Guarda, mas representando o lado musical desses que foram os fundadores. Quer dizer, nós somos a parte, como se fosse, uma espécie de uma segunda geração da fundação do Império. Porque se for botar no caderno, todo mundo que está nesse grupo agora, praticamente nasceu junto com o Império, então tem muita coisa para dizer… Tem história pessoal, tem que ouvir falar, não é?
Velha Guarda show é diferente da velha guarda, eles acabam sendo a velha guarda para quem tá chegando também, sem dúvida. Agora, eu posso dizer assim, sou velha guarda justamente pra quem está chegando, mas ali tem velha guarda da escola de samba, que são outros. São as pessoas que vieram daquela época, da escola, os caras que vêm do tempo… Vamos dizer assim, para não deixar ninguém de fora: tem gente que fundou e tem gente que é da época da fundação. Tem essas coisas. Pessoas que vieram da época da fundação.
E as pessoas que são da época da fundação, são eles a velha guarda. Nós somos seguidores, a segunda geração… Quer dizer, somos velha guarda porque nós somos a segunda parte dessa velha guarda que já existia. Que toda escola, eu pelo menos quando eu era criança, quando estava estudando, ainda na fase de ouro, eu sempre ouvi falar em velha guarda, em ala de velha guarda. Sempre existiu, porque muita gente pensa que… Foi bom ter essa oportunidade de explicar às pessoas, para passar para outros, que a velha guarda, quando a pessoa que está fora, imagina assim: o cara que é da velha guarda, imagina um senhor muito sábio que vem… Isso é normal, não é? Mas não é muito isso não, porque de repente, quer dizer, a velha guarda de uma escola de samba, de uma agremiação, não necessariamente tem que ser idoso, não. Até porque, você de repente começa com 10 anos, até ajuda na fundação de escola, mas com 40 anos você está jovem ainda e já é um cara da velha guarda, porque começou com 10 anos. É um exemplo, para a pessoa entender.
E de repente chega um cara com 50 anos, começou lá com 50 anos de idade, ele não tem nem um ano de escola de samba. Mas você vê o cara e pensa “não, esse cara, esse aí deve ser velha guarda”, vem com aquele chapeuzinho típico, “nossa, esse aí deve ser…”. E se não está informado vai entrevistar:
– Pô, quem é aquele cara, aquele ali?
Às vezes o cara que tem 60, 70 anos, mas nunca saiu, é a primeira vez que saiu, não sabe nada. Então por isso que eu explico às pessoas: velha guarda na realidade, não é… É claro que a idade influi, sem a menor dúvida. Mas na realidade o que conta é o tempo que você tem na agremiação. Porque tem gente que começou tarde. Muita gente começou tarde, já começou bem adulto, pra lá de adulto. Quer dizer, o cara às vezes tem, por exemplo, o Império tem 53 anos, mas de repente, tem gente que chega lá no Império com 50 anos e não é velha guarda, nunca, e às vezes o cara com 30, quando ele fala, dizem:
– Pô, vem cá, mas você tem mais histórico do que ele para contar!
Será que deu pra entender? Já existia uma velha guarda, de show, musical, mas não é ala da velha guarda, que em todas escolas de samba sempre existiu. Porque se olhar direitinho, até uma escola praticamente recém-fundada, por exemplo… Porto da Pedra, a escola recém-fundada e o sujeito diz:
– Ah, não era pra ter velha guarda.
Mas tem, porque ela às vezes é oriunda de um grupo com outro nome. Se juntavam ali, faziam, até com outro nome. Então o cara coloca como velha guarda, porque até chegar Porto da Pedra… Já estou dando o exemplo da Porto da Pedra, que é uma escola praticamente recém-fundada. Vou dar um exemplo melhor: inventamos um grupo aqui. Qual é o nome do grupo… Vamos ver um nome aí qualquer. Flamenguistas Unidos. Daqui em diante, o outro monta uma escola de samba: Unidos do Flamengo, mas essa escola de samba veio oriunda de quem? Dos Flamenguistas Unidos. Então alguém pergunta:
– Ué, mas a Unidos do Flamengo nasceu, só tem um ano, como é que tem velha guarda?
Tem, porque ela veio daqui. É esse lance que as pessoas às vezes confundem, porque tem que ter tempo de escola. Não é questão de ser mais velho ou mais novo, que às vezes tem cara que é novinho e sabe muita coisa que a gente não sabe. Claro que no cômputo geral, é aquilo que eu digo, aqueles senhores, é lógico que podem saber mais, mas desde que não tenha ficado… Que tem gente que parou no ar. Não é necessariamente quem nasceu há mais tempo que sabe muita coisa, não, tem muita gente que está ali, estagnou e não sai mais, aí a pessoa vai bater de frente com o cara, porque, quando for perguntar alguma coisa, ele não vai saber.
Não tem um critério de quem vai ser da Velha Guarda, mas o cara observa:
– Bom, fulano já foi compositor da ala, já foi da bateria…
Foi convocado, tem história na escola. O critério é que tem que ter história na escola, por isso que eu falo: não basta ter 50, 60, 70 anos para ser Velha Guarda show. Mas numa ala de velha guarda, aí já tem esse critério. Com 20, 30 anos o sujeito não sai numa ala de velha guarda. Até os 30 anos não pode, dos 40 pra cima todas as escolas de samba têm critério, a maioria. Mas tem lá: velha guarda tem que ser a partir dos 40, quem já tem uma história, o cara que já vem desde os dez anos, então já tem uma boa história… Agora, por exemplo: o pessoal da minha geração que participa da Velha Guarda show, especificamente, todo mundo tem uma história como passista, a maioria já saiu na bateria, outros já saíram de mestra-sala, empurrando carro alegórico…
Eu já fiz tudo isso. Já fui de tudo. Bateria, saí de passista, fui componente da ala Sente o Drama, uma das primeiras alas de passo marcado das escolas de samba, participei da organização dessa ala no Império Serrano, aí veio todo mundo atrás. Hoje em dia tudo quanto é escola tem ala, mas vai ter sempre a lembrança dessa ala, porque foi a grande coqueluche da época, dos anos 1960, 1970, todo mundo queria… Naquela época dava para pular com uma mão só o muro, na plataforma da Central do Brasil. Mas agora não, a rapaziada está toda já caindo para lá dos 60… Depois do “enta” complica, né? Até o “inta” você ainda pode fazer tudo, agora, depois do “enta”, já vem a idade do Condor. Com dor em tudo quanto é lugar. Passou dos quarenta, não tem muita chance não, tem que ir devagar, entende? Tem que aproveitar enquanto está na linha do “inta”, porque no “inta” o cara ainda está bonachão, bonitinho. Eu me lembro, quando era mais novo, tinha uns 13, 14 anos, eu ainda não era muito envolvido com música – também comecei na música tarde. Vamos dizer, para dizer direito, imbuído mesmo, posso dizer que tenho 40 anos de samba, que é uma boa estrada também. Até porque eu nasci praticamente junto, na mesma época que a escola, então nem daria para ter mais… O Império é de 1947, então não tem como.
Necessariamente, quando se fala que tem tantos anos lá, é quando já está envolvido, participa de ala, mas tempo de adolescência, em geral, é correr com pipa, ir para festinha. Eu sou do tempo de festa americana, do cuba libre. Era tão americanizado que a gente não tomava cachaça, tomava cuba libre. A expressão não é portuguesa, então devem ter importado essa maneira de se divertir de outros lugares. Então a gente normalmente faz um cálculo assim, quando participa depois de adulto… Eu comecei a participar mesmo a partir dessa idade, 20, 25 anos, e por isso eu posso dizer que eu tenho 40 anos assíduo de samba. De samba em geral, quer dizer que eu também participei de muitas outras escolas de samba como convidado, desfilei no Estácio, na Imperatriz Leopoldinense, mas sempre desfilando no Império, até porque na nossa época, da minha geração, com a época mais moderna, a gente se interligava.
A geração anterior à minha era mais complicada, você tinha que sair naquela escola, e não tinha esse negócio de um falar com o outro, não. Eu me lembro quando eu ia visitar a minha tia, que era Portela. Ela era minha tia, mas sabia que o meu negócio era Império Serrano. Eu chegava todo prosa lá, e ela:
– Você tá muito bem, meu filho.
E depois:
– Queria até responder a tua benção, mas por enquanto… Você deixa mais um pouquinho… Se você tivesse com uma roupa azul e branco, até te abençoava.
Eles eram fogo! Lembro uma vez que um colega meu foi lá, no Império. A Tia Eulália era a primeira sócia do Império Serrano, e um amigo nosso, o Cizinho, que hoje está na Velha Guarda show do Império, teve uma época – depois que começaram esses intercâmbios, assim, ninguém se importava – mas teve uma época que ele desfilou bastante, ele também foi da ala Sente o Drama. Depois que ele foi da ala Sente o Drama ele passou a ser mestre-sala do Império Serrano, mas só que depois veio aquela história… Não existia isso, antes, o cara quando saía numa escola, saía até o fim. Já a nossa geração mudou tudo que vinha, porque veio a época do “quem dá mais”, entendeu? Então o cara mudava mesmo, componente da escola, eu conheci, o cara precisava, e ia mesmo… Aí então uma vez ele conta que foi lá na casa da Tia Eulália, passou por lá:
– Pô, Tia Eulália, tudo bem com a senhora? Gostou dessa roupa?
– É, tá bonita essa roupa, mas num sei o quê que veio fazer aqui com essa cor aqui, com essa roupa.
Era azul e branco… É que a geração deles era mais… A nossa já foi diferente, que a gente era, com esse negócio de passista, todo mundo que ia fazer show no mesmo lugar se encontrava, então a gente fazia show junto com componentes de outra escola, se misturava mais. A minha geração é a da década das grandes mudanças, graças a Deus eu tenho felicidade de dizer que eu venho de uma geração de jovens que fizemos uma grande mudança no país, e talvez no mundo, que aí começou a era da Jovem Guarda, da Tropicália, do twist, dos Beatles, dos hippies. Quer dizer, nós pegamos uma boa época, entre a década de 1960 e 1980, vamos dizer até que a gente teve uma grande vantagem, acho que a minha geração teve, que eu falo até em termos mundiais. Porque a minha geração teve muita participação nessa mudança que foi a gente falar, porque antes a gente não podia falar, pegamos um tempo de Ditadura em que não se podia falar nada, e nós conseguimos brigar com isso, pra ter o direito de falar, de ouvir e de falar. Eu acho que essa geração que veio depois da nossa tem até que agradecer muito a nossa coragem.
Trabalho, eu já fiz vários… Trabalhei em oficina mecânica, em vários lugares, mas sempre pensando na música. Mas em tudo que eu fiz praticamente eu sempre fui autodidata. Aquilo que eu disse antes, minha mãe falava que minha avó dizia para ela que eu vivia batucando, não é? Dormindo… Então comecei, sempre procurava tocar percussão, aí teve uma época que eu conheci Roberto Ribeiro, no início da carreira, que eu não era nem músico… Vou dizer profissional, mas não sei se o termo legal seria esse. Eu não era dedicado, basicamente não tinha noção. Porque o meu lance, às vezes a gente fazia as rodas de samba e aí era piquenique, eles convidavam para tocar um pandeiro, para cantar um pagode, mas sem pensar em profissionalismo nenhum não. E depois que eu conheci Roberto Ribeiro, foi a primeira pessoa com que eu trabalhei dentro de estúdio, que eu nem sabia o quê que era estúdio direito, eu ficava admirado, ficava ouvindo Fundo de Quintal tocando na minha casa, a roda, já botava para tocar assim, isso eu já via… Mas à vera mesmo fui começar a partir dos 30 anos, entende? Que eu tocava, e tal, conhecia, foi quando eu fundei o Grupo Família, todo mundo ficava dentro da casa onde eu morei, morava junto com minha irmã. Como não tinha lugar pra ensaiar, nós ensaiávamos lá, aí eu fundei o Grupo Família…
Isso era em Madureira. Era o primeiro grupo organizado para acompanhar o Roberto Ribeiro, ele já no início de carreira. E aí, então, sugeriram que colocasse o nome no grupo, todo mundo deu várias idéias – aliás, eu sou bom nisso, sou criativo. Aí tinha um grupo foi formado por um cunhado do Roberto Ribeiro, três irmãos e um concunhado. E eu era amigo, eu convivia com eles, com a família, fazia aquela coisa, nós tínhamos um bloco, aí pediram e eu sugeri Grupo Família. Até porque, se a gente não era parente, a gente era compadre um do outro, de maneira que tinha um certo parentesco.
Aí foi um tempo com o Roberto… Comecei a pensar, gravar em estúdio… Gravei alguns discos com ele, em estúdio. Os coros, coisa assim. Depois com o tempo, dei uma paradinha, e aí depois conheci Zeca Pagodinho. Foi quando eu trabalhava num estúdio aqui na Central, aí a gente gravava tudo. Se isso fosse registrado… Eu estou entre os caras, junto com meus amigos, somos das pessoas que mais gravaram fita concorrente de samba-enredo de todas as escolas de samba. Não tem uma escola de samba que eu não tenha gravado os sambas concorrentes, a maioria. Eu e meus amigos da época. Disco oficial eu não gravei tanto assim, gravei pouco. Gravei muito pouco. Mas para escolha de samba-enredo – das escolas, claro, aqueles sambas a gente gravava pra eles concorrerem nas escolas de samba, quem gravava era o nosso grupo.
A idéia desse grupo, o projeto com que o Robertinho começou a carreira, ele estava já porreta, começou logo arrebentando a boca do balão, então ele não esperava tanto assim e acabou tendo que fazer um grupo para ele. Contou para a rapaziada, aí todo mundo ficou naquela coisa de botar o nome do grupo, num sei quê, num sei quê lá, e como é que vai ser o grupo, aí eu sugeri: Banda Molejo. Depois é que fizeram o grupo Molejo lá, isso foi depois… Porque o pai de um dos componentes do grupo Molejo era um dos componentes da Banda Molejo, que era o Bira Hawai, e eu que sugeri esse nome. Ah, só que às vezes têm a memória curta, entendeu? Naquela época eu não tinha nem a intenção de registrar nada. Tanto o nome, Grupo Família, como… Hoje tem um bocado de gente aí com o nome, Grupo Família para uma porção de coisas. O único registro que eu tenho do Grupo Família é lá na SOCINPRO (Sociedade Brasileira de Administração e Proteção dos Direitos Intelectuais). Que todo mundo ia se registrar lá, então, era esse grupo que nós gravamos CD, e que acompanhava…
Essa é a luta que você sabe como é que é. Tem gente que já começa no primeiro gol, tem gente que tem que levar dez anos para fazer um gol, para ser sucesso. Então é uma carreira que eu não aconselho… Independendo do estudo. Tem que gostar. Claro que estudando é melhor ainda. Na minha época a gente tinha mais é que gostar e estudar mesmo. E sorte, que às vezes não é só o talento que te leva, se não tiver sorte naquilo…
Eu componho, mas comecei mais tarde também. Sabe por quê? Eu me identifiquei, eu estava muito como acompanhante dos cantores. Uma hora acompanhava o Roberto Ribeiro, às vezes acompanhava Almir Guineto, fiz batera para Alcione, Beth Carvalho, que era um tipo de free lance, assim. Então, eu custei muito a me mancar. Aliás, eu fazia algumas coisas, mas aquilo ficava por ali, entende? Mas eu não me tocava que isso era uma corrente boa. Eu ajudava até os parceiros a desenvolver o samba deles, andava, ia atrás. Mas não entrava na parceria, até porque eu achava que não era legal, apesar de que tem muita gente que fez isso… Tinha acesso, né? E eu tinha muito acesso, à maioria dos artistas. Mas eu nunca tive essa pretensão de fazer samba. Se o cara, de repente, colocasse, aí era… Mas eu não pedia. O cara dizia:
– Ó, eu vou colocar você.
Tá certo, eu vou gravando.
– Ó, fulano, eu gravo, mas tem que botar meu nome…
Isso eu nunca fiz. Não sei nem se eu posso censurar quem aceita isso, sabe por quê? Porque existem coisas que você tem que pensar antes de censurar. Existem vários fatores: a necessidade, o momento. Dizem que na década de 1940 os compositores vendiam as músicas, por necessidade. O cantor chegava:
– Vou gravar você, se ele me der a parceria.
E essa porcaria é antiga, hein? O pior é que eles ficavam pensando que eram malandros. É sempre assim, vai passando a geração, a que vem sempre pensa que é mais malandra que a que passou. Aí eu penso, realmente, esses caras já aprontavam…
Na minha época, o pessoal já acordava mais, porque a gente se ligava mais no assunto dos escravos, escutava as histórias do tempo em que roubavam samba, roubavam música… Aí realmente, tinha gente que exigia, que tinha que dar parceria para entrar, para determinado cantor, que estava fazendo sucesso. De uma certa forma, era válido, porque de repente o teu barraco está… Você olha pro teto, parece até que não tinha teto, chovendo pra caramba, tinha que comprar telha. Isso é a necessidade, não é? Não é questão de fulano pegar, às vezes é porque o outro é pobre, são duas vertentes. Noutro dia bate na porta… E o quê que tem? Se o cara falar para ele assim:
– Olha, eu vou gravar a música tua, mas você tem que me dar parceria. Você sabe quanto é, os direito autorais?
E o cara:
– Não.
Às vezes ainda é passado para trás, porque ele não sabe de nada, para ele aquilo tudo é novidade. Compositor nunca entrou em estúdio, chega lá, fica deslumbrado, ele está precisando de um real, aí o outro chega perto dele:
– Aqui ó, você vai gravar com Alcione…
Ou com sei lá quem.
– Consegui, mas você tem que me dar a parceria. Mas vai assinar, direitinho, tal…
Dividindo a parceria.
– Não, claro, dou o samba, dou…
Só que a edição, vamos supor, é de R$ 10 mil. Pô, o cara está ganhando muito! Você acha que ele vai pensar em não dar a parceria pro sujeito? É a necessidade de cada um, isso não comporta as pessoas estarem censurando.
– Ah, que eu não me vendo!
Eu já vi muitas pessoas dizendo isso e acabaram mudando de lado. Eu posso dizer que eu resisti muita coisa… De algumas coisas eu acho que eu pude abrir mão. Também não é nada de mais, eu dar parceria, não vou eu pegar parceria só porque eu tinha acesso. Eu achava isso exploração, o cara que me conhecia ali, para eu pegar as músicas dele, mesmo que desse para um cantor que era meu amigo gravar e eu dar a parceria. Mas só que depois eu fui olhando que eu poderia fazer isso também, entrando em um acordo com o cara, mas as pessoas já fazem…
– A tua parte foi censurada.
Muita gente faz isso de maldade mesmo, o cara não tinha noção.
– Pô, você que fez a música sozinho, num tem que dar parceria a ninguém!
Mas para mim, em compensação, você estar com dinheiro é bom, a tua necessidade é que manda. Você não grava e não tem nem pão para levar para comer pros teus filhos. O canal, meu canal é você, é você está fazendo disco, aquele samba que eu vou ganhar R$ 20 mil, mas se eu ganhar 10, para mim, está valendo 100, que às vezes ele pode fazer por 10, e isso não é de censurar.
É claro que é um problema de não valorizar o compositor. É por isso que tinha que discutir esse negócio, dizer pra todo mundo:
– Gente, compositor faz isso porque não é valorizado.
Ele não teria que dar parceria a alguém se pudesse ganhar sozinho. Claro que tem esse problema de falta de… Valorização. Isso aí de agora, por exemplo, é uma coisa terrível. Você vê onze caras assinando. Eu sou do tempo que a minha ala de passista no Império Serrano, a gente que influenciava, não decidia, porque ainda não era assim, mas influenciava o samba quebrado, porque era um samba que era de bom estado, influenciava o resto da platéia, mas de compositor eram só dois, eram dois contra dois adversários, não se via… O máximo que se via numa parceria eram três pessoas. Hoje em dia tem 20 numa parceria! E às vezes, um parceiro hoje, veio falar comigo isso, disse:
– Pô, Milanez, você vê só, né? Sabe o que tá acontecendo? Ou a gente faz ou num faz, né, porque num tem jeito, tem que estar, é assim, num tem jeito. Veja, se você quiser fazer é assim.
Naquela época, os caras que faziam samba-enredo, a gente via aqueles caras fazendo realmente com carinho, e um compositor não saía de uma escola para ir pra outra. Depois que veio esse problema do LP de samba-enredo é que mudou muita coisa. Veio história de cronometragem, que a escola não tinha cronometragem para desfile, o pessoal saía descontraído, com prazer, ficava lá dando volta. Aí passou a ter… Passou a se gravar o samba-enredo, ainda não era nesse nível, era um amigo que tinha uma grana, dizia:
– Ah, vamos gravar o LP da tua escola.
E quatro se cotizavam e gravavam um LP. Depois que apareceu a gravação em CD, sumiu o vinil, até porque antes, no LP, eram duas faixas e a bateria. Aí, começou a surgir o CD, passou a ser gravado. Infelizmente, dizem que a mola-mestra do mundo é o dinheiro, e o dinheiro mexe com as pessoas. Começou o compositor também a gravar com outros interesses. Aí é que começou a aparecer parceria com o fulano que era o dono fábrica de sabão, aí botava, Seu Manoel Português, dono da padaria, agora é parceiro. E um cara, também, por si só, não tinha outro jeito. Os outros entravam, ele também tinha que entrar. Estou falando isso porque agora a gente reclama, todos eles, mas não tem como, ou você entra ou não entra.
Agora, não estou aqui para ficar teimando, reclamando disso, estou dizendo porque você vê, você vai conhecer esse pessoal que samba melhor, que não tem torcida… Porque agora tem isso. Pô, outro dia um sujeito teve a capacidade de me falar – o meu samba foi escutado no Império Serrano este ano, meu samba com meus parceiros, nós disputamos com o que ganhou – aí uma pessoa teve a capacidade de falar assim:
– Poxa, Ivan, faltou pôr um cantor bom.
Antigamente, naquela época que eu era garoto, não tinha esse negócio de ter um cantor, eu não quero um cantor bom. Cantor ajuda, mas não resolve… Pega um cantor bom… Então hoje em dia os critérios são diferentes. Ou você faz ou não faz, porque ou tem que ter um cantor bom, aí tem que ter dez ônibus… E você não tem dinheiro… Na época desse pessoal anterior, acho que não existia pagamento para se inscrever samba-enredo. Eu acho que não, tem que procurar pesquisar isso melhorzinho, porque eu não estou tão convicto disso, não, mas eu acho que não existia não.
E não é de hoje que tem, não, há bastante tempo tem. Isso aí depois é só ver, pesquisar, quando começou a gravar o samba oficial, é só ver a época, que foi a partir dessa época que começou esse negócio, aí você começou ver três, quatro compositores… Deve ser mais ou menos 1960, por aí. Até porque, o Grupo Especial das escolas de samba, que realmente entraram nessa direção, era muito… O carnaval passou a exigir muito mais grana, mais o papel bordado, para a rapaziada fazer o carnaval bonito. Então, às vezes tinha escola que passava dificuldade… Então, precisava ter um cara que conseguisse fazer esse negócio de gravar CD, que também ajuda. Só que, com isso, também vieram outras coisa que não poderiam acontecer, mas infelizmente é o que está aí.
Minha carreira é o seguinte: ainda é circuito de músico. Velha Guarda só é uma coisa nova pra mim. Eu não era participante do grupo, não tinha intenção de participar de grupo mais nenhum, era só carreira individual, como compositor, depois que descobri essa veia poética que eu nem sabia que tinha. Comecei a andar para esse lado, aí o pessoal começou a ver que eu cantava, e coisa e tal, comecei a fazer uns showzinhos por aí afora, foi até bom, porque eu não tinha jamais essa idéia, então para mim é… A Velha Guarda show foi uma coisa, assim, de satisfação, por eu ter sido lembrado, por ter sido filho de uma época. É mais uma questão de prazer. Agora, como carreira, não sei não… Até porque não posso dizer que já fui bem-sucedido financeiramente como músico, porque não fui. Mas é uma coisa que eu sempre gostei, e que eu gosto de fazer, que eu já venho fazendo há vários anos. Mais de 30 anos de carreira…
Se fosse pelas coisas que eu percebi na música, que não consegui, eu já até teria até desistido, mas eu realmente faço uma coisa de que gosto, e em compensação a música me levou a alguns lugares que acho que se eu não fosse músico não teria chegado… Não trabalharia com pessoas, nem alcançaria lugares que alcancei, nessas minhas andanças aí. Com o dinheiro, por mais dinheiro que eu tivesse, eu não batia com essas pessoas que eu consegui trabalhar, muita gente com grana não conseguiu entrar. Tenho essa satisfação. Financeiramente, eu não posso dizer que tenho, não, porque eu já estou insistindo há bastante tempo. Mas é uma coisa que eu gosto, é aquele negócio que eu costumo dizer para as pessoas que perguntam:
– E aí, Ivan, como é que é, vai descansar?
– Eu não, bicho, tô vivo, eu num morri!
Eu estou aqui, estou vivo, estou fazendo as coisas dentro daquilo que for possível, de acordo também com meu talento, com as honras que eu tenho, com o poder que eu tenho. Eu posso subir, mas meu talento vai ficar para alguém que me copiar. Alguém aí me colocou como um dos melhores percussionistas do mundo e, no entanto, financeiramente, eu não funciono. Isso é o mais engraçado. Tem pessoas que começaram e com um ano já conseguiram sua independência financeira como músico, como cantor, como artista. Agora, a Velha Guarda show é legal. Enquanto eu puder, vou ficando, se de repente eu… Deslanchar pra outro lado, começa outra.
Quando me perguntam de sucessão na Velha Guarda, eu não vejo como sucessão, não… Sucessão para mim é outra geração que vem depois da minha. Bom, é claro que tem um grupo de pessoas que pode substituir o que está aí, isso aí claro que a gente sabe. Todos os compositores, cada um tem sua vida particular, não tem que ser… Ninguém é totalmente preso a esse negócio de Velha Guarda show, não tem que fazer só show com a Velha Guarda, cada um tem a sua vida, eu tenho a minha carreira como músico, como artista, o Wilson das Neves tem a carreira dele já bastante firmada como cantor, o Zé Luiz do Império, o Aluizio Machado, até porque eles também, não eram só músicos, tinha funcionário público que fazia alguma coisa porque precisa de grana, mas carreira como cantor e compositor, não necessariamente era da Velha Guarda show.
Esse grupo que está aí é só para manter uma coisa que já não existia mais dentro da escola, que todas as escolas tinham grupo de show, grupo para fazer show. O Império é que tinha parado, mas justamente foram os fundadores que vinham no grupo, então eles pararam. Nessa época era a Portela, até porque, você vê: a Velha Guarda show, para show, da Portela, só foi formada por ala, por componente da ala de velha guarda, que foi formada por compositores do tempo antigo da escola, então foi pegando os compositores mais antigos, tinha uma escadinha assim, tinha aptidão para compor e para cantar, que muitas vezes o povo ali da velha guarda nem conseguia fazer um grupo…
Isso eu soube, então pegavam os grupos. Na realidade, a Velha Guarda show se dá assim: pega-se componentes antigos, mas que eram compositores. A maioria não era da ala da velha guarda. Eles estão ali representado o lado musical da escola de samba, portanto, você pode ver que a maioria das escolas de samba que fizeram grupo de Velha Guarda, na música, a maioria é de compositores, gente envolvida com música, porque o pessoal da velha guarda, mesmo, a maioria tem paixão, sai com a escola, todo mundo se encontra, conta a história, quem fundou, coisa e tal, mas já o público de escola de samba é um pouquinho diferente, de velha guarda, para tocar é um pouquinho diferente, porque não tem o cara que vem da bateria, o cara que saiu de passista, o cara que cantava na noite com a rapaziada da escola, aquela pastora que puxava, mas isso era da ala da velha guarda, coisa que não…
Então eu não digo sucessão, eu digo substituto. Sucessão é outra história, tem que esperar o cara subir o morro, para botar outro. Porque você vê que a Velha Guarda que está aí, na Velha Guarda da Portela tem pessoas que estão lá que não são do tempo da escola, mas foram substitutos dos pais… O Serginho Procópio, filho do Osmar do Cavaco, a Áurea Maria, filha de Seu Manacéa, a Neide, do Seu Chico Santana, são pessoas que não eram da época deles. Aí sim, aí é sucessão. Agora, no nosso caso, no grupo, pode se arrumar um substituto. E também tem isso, não pode ser qualquer um, o cara pode ter sido compositor, dentro da escola, mas não pode… Dentro da escola tem que ter juízo, não é? Não vou chamar um cara que é de outra escola de samba:
– Ah, mas ele tem história…
Não quero história, a história dele é lá… Não é a questão de idade, é questão de tempo, ter uma história na escola. Às vezes o cara tem 30, 40 anos, mas:
– Não, esse cara sai desde garotinho, ele ajudava a limpar o carro…
Tem que ter uma história, não é o sujeito dizer assim:
– Ah, eu tenho 50 anos.
Nada disso, pelo menos no grupo musical, não tem isso de:
– Ah, eu tenho 50 anos, eu já posso sair, eu toco muito, olha…
– Mas vem cá, qual é a história que tu tem nessa escola de samba? Esse aqui ó, tem 40, mas acontece o seguinte: ele pode ter começado a sair com 40, mas ele saiu na escola desde os 15 anos. Eu, que já estou com 60, tenho, e sabe por que ele tem também? Porque o pai dele fundou a escola, então tem tudo isso guardado, o histórico dele, ele é menino, mas ajudava a emendar, a encourar um tamborim, ele tem história, você, chegou com 50 anos, mas você fez o quê na escola?
É essa a explicação que as pessoas têm que ter, quando chegarem. Tem que saber, quando saem esses caras velhos, de velha guarda, qual é a história dele na história de determinada escola de samba, porque ele pode não ter nenhuma. Ainda mais agora, que aparecem esses macopebas nas escolas de samba…
As escolas estão com um problema muito sério, eu acho até que a gente tinha que tomar uma atitude. O cara vem, na incógnita, no intuito às vezes até de ajudar a escola de samba. Aí eles perguntam assim:
– Pô, porque é que fulano tá nessa, tá exercendo essa função aí?
O cara chegou agora e já está… Comandando.
– Ah, não, é porque ele tem acesso onde nós queremos.
Antigamente o cara chegava dentro da escola de samba e, para pegar algumas coisas, ele morava até, aí virava subúrbio. Ele ia ali, tum-tum-tum-tum-tum, ele sabia mais da escola de que você, naquela época. É a história do mau pesquisador: eu chamo mau pesquisador, que não era verdadeiro. Ia lá, estudava, então, na época desse pessoal, dessas escolas mais tradicionais, eu já garoto observava isso. Os caras chegavam lá e, poxa, o pessoal normalmente é de uma situação monetária, de uma classe, bem sacrificada. O outro chegava um dia, ia lá, fazia uma festa, arranjava sempre uma tia no lugar, não é? Então o cara começava, vinha “minha tia”, aí então o cara bancava feijoada, bancava não sei mais o quê, mas só para testar, que esse pessoal da nossa geração anterior não tinha essa maldade, não. Então daqui a pouco o cara estava virando padrinho:
– Ah, porque ele é muito bom.
Na minha geração tem uma porrada, surgiu um montão deles, mas a gente aí responde:
– Ô, meu irmão, quer ajudar na minha casa, você pode botar o que tiver na metade, mas quem vai mandar na minha casa sou eu.
E hoje em dia ainda está havendo isso, que tem também em escola de samba, a pessoa chega lá, é diretor… Porque é formada em não sei o quê… Formada em várias coisas aí, e…
– Ah, não, tem que botar o cara formado nisso, com alguma coisa.
– Sim, pô, mas vem cá: antigamente eu acho que nossos pais, da escola de samba, num tinha ninguém formado não.
Mas é aquela história… E formado em quê que tem que ser? Formado em quê? Entende? Não sei disso, agora tem que ser um cara formado, e daqui a pouco eu estou vendo o cara com duas alas, antigamente o cara tinha duas, três alas, um cara só, porque tinha condições financeiras para custear. Mas essa coisa ainda existe. Você vai ao ateliê de uma escola de samba, vai pegar uma camisa, e de quem é a camisa? É do diretor do patrimônio de não sei o quê. Hein? Nunca foi à escola de samba e já é o diretor de não sei de quê. Ele já tem um ateliê, e a camisa é ele que tem. Às vezes pegar uma camisa já é difícil, chega um cara do nada aí, vira diretor, e daqui a pouquinho já tem uma fábrica de chapéu, para vender na escola. O cara só tem dinheiro, e o componente da escola, eu, lá:
– Pô, quero comprar uma camisa, pra vender, com o nome da escola, num sei quê lá…
E a gente descobre que o cara já é dono. Eu que sou de lá, não tenho esse direito. Aí descubro que o cara é diretor… Social, quando eu falo diretor social, estou falando pessoas que têm que impor já, ter aquela obra, até porque a bandeira foi ele que criou, é ele que fez a faixa, não vai ser capaz de dizer:
– Olha, é o seguinte: eu tô aqui com o meu, posso tirar aqui as camisas, com logotipo, que eu dou dinheiro… O tema da escola é o seguinte, olha: a fábrica é minha, as camisas fui eu que comprei…
Então a gente precisa chamar atenção das pessoas para ver esse lado. Vai perguntar ao seu Molequinho, que foi o primeiro fundador da escola, se ele tem alguma fábrica para vender alguma coisa, ou a algum parente dele se tem. Porque o Império foi fundado na mesma família. Vê se algum parente do meu amigo Helton, que é neto da primeira diretora, primeira sócia do Império Serrano, pergunta se ele tem algum lance lá, para ele vender umas camisas. Se fizer isso, nêgo vai cortar dele. Hoje, de repente, você descobre a fulana que veio num sei de onde, que é diretora social, e a fábrica é dela. Eu fiquei, assim, besta, de pensar que a gente fica fazendo samba, e para quem é que está fazendo? Não temos condições de, de repente, computar aquilo, e nós vamos, não temos grana pra isso. Aí você descobre que um cara que não pegou isso, que não era da família de ninguém, quando eu falo isso não falo do Império Serrano não, eu falo desses diretores de escola que apareceram. Foi-se o tempo. Se depender de mim, tem que botar isso para fora, tem que ter alguém para mexer com isso aí, que está demais. Está demais.
Como é que pode, você que criou, que ajudou a criar o negócio, você não fez com intenção de ter lucro financeiro, mas no momento em que você vê alguém com lucro, eu quero o meu também. Por exemplo, participei da recriação do Pagode do Trem, e hoje em dia eu tenho que perguntar se eu posso entrar. Eu estou até exagerando um pouco, mas um cara pega financiamento, o outro é porque botou uma firma… Até falei, mas aí:
– Pô, Milanez, pra fazer isso tinha que botar a pessoa que entende.
– Vem cá, mas quando nós começamos a reviver esse Pagode do Trem, num tinha professor fulano de tal…
Não tinha. Quer dizer, então, aí já foram perguntar:
– Mas você acha que o Milanez conseguiria segurar isso?
– Ué, Milanez, e as pessoas que estavam no início, não estão mais na direção?
Foram perguntar. Se nós levamos avante sem ter pesquisador, sem ter gente formado em negócio de finanças, aí nós conseguimos levar, depois que o negócio cresceu, acabou, aí a gente não tem mais condição para fazer. Dez anos, sem nenhum investimento, aí o fulano pegou R$ 50 mil de financiamento em tal lugar, pegou uma barraca em tal lugar, e o nosso, nem um tabuleiro tem para levar um café, não é nem para ficar, mas pra tocar samba, pensar “eu gastei, mas estou sendo beneficiado de uma certa forma”. Tem gente que não tem nada a ver mandando, com crachá, e estou aproveitando para dizer isso claramente.
Porque até se tiver que polemizar, eu quero mesmo. Tem coisas que eu tenho datas, posso não ter gravado, mas tem coisas que eu tenho datas de como começou. Eu, por exemplo, comecei o pagode dos Arcos da Lapa com um amigo aí… Há dez anos começamos o pagode dos Arcos, outro “pagode”, assim, entre aspas, foi o primeiro pagode antes de começar, depois que começaram a ir outros parceiros aí. Hoje em dia eu diria que só está o Marquinhos de Oswaldo Cruz que criou, embaixo dos Arcos. Depois deu uma parada, um pouquinho, aí fui convidado, primeiro, para fazer esse pagode embaixo dos Arcos, um cara que é vivo até hoje, por isso eu posso falar à vontade. O cara que puxava lá está vivo até hoje. Por coincidência ele chamou o Marquinhos e nós juntamos as idéias, mas o primeiro convidado fui eu, e pouca gente sabe disso. Eu não falava nada, porque…
Bom, foi um amigo meu que me indicou. Ele participava de um movimento lá, do Lima Barreto, ali em Piedade, então ele me chamou, chamou o cara que foi procurar por ele, que era o Jair, dono de uma casa que chamava-se Arco da Velha. Foi lá e falou que estava querendo fazer um pagode embaixo dos Arcos, para tirar aquela tensão que tinha. Ele queria aproveitar que pegou a casa, então um amigo, que era um pintor renomado aí, envolvido com esse negócio da cultura do samba, do subúrbio, em geral, ele me indicou:
– Ó, o cara mais indicado pra falar com você é o Ivan Milanez, até porque tem muita estrada, faz um trabalho bacana…
Por coincidência ele também conhecia o Marquinhos de Oswaldo Cruz, tocou no assunto, aí o Marquinhos foi me procurar, eu digo:
– Tudo bem.
E fomos tendo as idéias. Com dificuldade, fizemos o primeiro pagode lá. Aquela coisa era deserta, aturamos aquilo ali pelo menos umas três semanas, depois o negócio estourou, de maneira que não dava nem para andar. Aí, o quê que acontece? Depois de determinada época, nós tivemos um probleminha, paramos, aí fomos para a Fundição Progresso, aí nêgo foi chegando, fazendo umas coisinhas, aí fui convidado também pra fazer uma roda de samba, a primeira roda de samba na Rua Joaquim Silva, era numa casa de produtos naturais. Então o Moreno, que é amigo nosso, também do Doutor Bigu, através do JR tinha um espaço que era da família dele, que vendia produtos naturais. Então, como não tinha nada, ele disse:
– Poxa, isso aí dava um espaço pra você fazer as coisas tuas, porque a esposa, as mulheres podem fazer a comida, coisa e tal, e a gente dirigia a roda de samba.
– Tudo bem, vamos fazer.
Fizemos por um tempo. Daí, não tinha nada na Lapa, a Lapa era deserta. O máximo, que de vez em quando eu era chamado ali, era para a Casa Brasil-Nigéria, para aqueles lados ali, tinha um amigo que dava uma explicada ali para uns universitários que quiseram aprender samba. Eles faziam aula de percussão na UERJ, mas queriam mais algumas coisas, aí me chamaram para dar umas dicas para eles. Eu digo:
– É o seguinte: eu sou autodidata, eu sei que vocês que têm faculdade, têm professor de percussão de faculdade, como é que eu vou saber?
– Ah, mas só que lá, essas manhas aí, a gente num consegue fazer.
Aí ensinei a manha a eles. Aí é que está, voltando, lembrando a situação que falei do início de tudo com as escolas… Resumindo, e vou até incluir meu amigo, o Doutor Bigu que está aqui presente e eu tenho certeza que acompanhou isso tudo, essa evolução e essas confusões todas. A partir daí, depois apareceu uma casa lá chamada Semente. Antes tinha uma casa cubana, que era só de música, que tinha que marcar pra fazer samba, na Joaquim Silva, depois que eu fiz a primeira roda de samba, não tinha nenhuma casa de samba, depois surgiu essa casa chamada Semente, que foi onde apareceu esse grupo aí com a Teresa Cristina, que na realidade essa moçada ali da casa também tinha o nosso código, foi o primeiro… Hoje em dia dizem que foi lá que começou, e resultado: aí vem aquele, não vou dizer latifundiário, mas aqueles caras que montam, posso falar na gíria. O cara que está com o bolso cheio, que pode ganhar mais, ele vem com idéia, dizendo que a gente não tem idéia, daqui a pouquinho vem o cara, abre uma casa, mas nem eu mesmo posso entrar, fica aquele papo de tirar crachá, ninguém quer saber se fui eu que comecei aquilo.
Não precisa de nada: há alguns anos, a Rua do Lavradio também era abandonada. Aí o Rogério Bicudo, quando veio para o Brasil, começou a andar comigo, ele mais o Doutor Ricardo, começaram a idealizar que a gente fizesse uma roda de samba, ali na Rua do Lavradio. Não fizemos. O samba que fizemos, nós fizemos em homenagem aos grandes mestres, que ainda estavam vivos, graças a Deus, o Xangô da Mangueira, fiz uma homenagem a ele, mas com a intenção de fazer isso pelo menos de 15 em 15 dias homenageando os grandes. Porque os grandes mereceram muito. Os caras que fizeram a história do samba, não é? Nós somos um seguimento, a nossa geração foi um seguimento dessas pessoas. Então a gente estava querendo perpetuar isso.
Mas, quando estávamos fazendo isso, daqui a pouquinho apareceu associação:
– Num pode fazer, precisa ter…
Hoje em dia é diferente, a Rua do Lavradio. Casa tinha, antiquário, mas nem todos pretendiam fazer… Algumas casas começavam a fazer negócio de chorinho… Mas não roda de samba, absolutamente estava incluído o samba. São lances diferentes. Tudo é samba, mas só o que fez isso de roda de samba, popular, na Rua do Lavradio, nós começamos a fazer, mas aí começou a aparecer um monte de gente, ninguém queria nem botar o pé. Nesses alturas, o que acontece? O sujeito:
– Pô, tem grana envolvida…
E desenvolveu. A gente faz essas coisas sem pensar, a gente não pensa “bom, se eu fizer isso aqui eu vou ganhar dinheiro”, a gente até esquece disso, o entusiasmo não deixa a gente pensar nisso. Aí, nessas casas… Se perguntar quem sou eu, não sabem quem sou eu. Às vezes você encontra uma pessoa que já diz:
– Pô, esse cara fez isso aqui, assim, assim, assim.
Mas não é uma coisa que vai saber, não tem documento para ver…
Hoje em dia todo mundo sabe, todo mundo agora apareceu. É a história do filho feio: enquanto o trem estava vazio, ninguém queria ser dono do Pagode do Trem. Agora, o trem cheio, todo mundo é dono. Quando o trem era vazio, que era quatro, cinco cabeças, ninguém tinha coragem de meter a garra. E na Lapa a mesma coisa, quando estava cheio de gente dizendo que tinha medo de parar numa roda de samba, nós conseguimos trazer essas pessoas pra cá, pro Centro. Ninguém tinha coragem, mas agora que o filho ficou bonito, apareceu. O filho feio não tem pai.
Dessas casas todas, a que chega mais perto de respeitar o sambista hoje, na realidade, é o Carioca da Gema, que combina com as pessoas. Você vê, agora eles estão tentando sambista em todo lugar, quase tudo eles fazem assim. Mas não ocorre de ter alguém que tem escola nisso aí, eu acho que se você me vir uma vez na vida tocar numa casa lá da Lapa, ou cantar, ou qualquer história, é muito, porque eles só pegam trabalho pronto agora. Porque eles vão chamar o Tantinho da Mangueira, e não é porque o Tantinho da Mangueira tem história no samba, oriundo do grupo fundador da Mangueira, mas só porque ele está sendo comentado. Os caras não buscam, eles querem só o que está pronto, e é isso que eu estou falando. Aí de repente:
– Ah, vamos botar o Milanez ali nessa roda.
Agora, se tivesse uma faculdade, as mãos ficam mais fáceis, é o que o Paulo César foi que gravou, que disse, essa força.
Em relação às pessoas escutarem uma história aí, a meu respeito, eu tenho que dizer que, até um certo tempo, quando começaram a contar uma história minha por aí, eu ia e deixava rolar, pensava “ah, deixa pra lá”, mas só que agora, de uns tempos pra cá, eu resolvi dizer que quem tem que falar de mim sou eu. Que eu não me pareço com ninguém, não sou igual a ninguém, sou igual a mim mesmo, então quem tem que falar de mim sou eu. Não tenho disco gravado, mas vou gravar, vai ser solo. Não tem data marcada, isso aí é uma questão de… Mas tem um outro lado, que eu vou mostrar, é um registro… Claro que eu quero que dê certo, que o certo é isso que se diz: quem é que não gosta de carinho?
[1] De acordo com Valença & Valença (1981, p.66), a inauguração da sede na Ministro Edgard Romero aconteceu em 23 de outubro de 1964.