(por Felipe Siles)
Esmeraldino Salles é um compositor icônico do choro paulista. Viveu entre 1916 e 1979, na cidade de São Paulo, e dedicou boa parte de sua vida à música, principalmente ao trabalho de acompanhar cantores na Rádio Tupi, tocando cavaquinho, violão e contrabaixo.
As composições mais conhecidas de Esmeraldino são Arabiando, Perigoso e Uma noite no Sumaré, a qual falaremos um pouco mais ao decorrer deste texto. Esmeraldino foi gravado por nomes importantes do cenário do choro e da música brasileira, como Yamandu e Dominguinhos, além de ter sido homenageado por verdadeira referências do gênero: Laércio de Freitas, Izaías Bueno de Almeida, Maurício Carrilho, entre outros. É um compositor tido como “moderno”, ousado, que compunha choros fugindo um pouco das estruturas óbvias e tidas como “tradicionais” do gênero. Coloco aspas nesses conceitos, pois num futuro texto quero discutir melhor essas idéias de “modernidade” e “tradição” e demonstrar como essas construções servem a propósitos políticos muitos pontuais.
É muito comum no choro e na música brasileira, músicas que referenciam territórios geográficos. Os exemplos são inúmeros, músicas que homenageiam Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Recife, seus bairros, ruas e praças. Para ficarmos mais restritos ao choro, existe uma quantidade significativa de chorões de origem nordestina, que usaram os títulos de suas obras para homenagear a região. É o caso, por exemplo, de Visitando Recife de Canhoto da Paraíba. Por outro lado, o senso comum que foi construído ao longo dos anos é a ideia do choro como uma expressão tipicamente carioca. Nessa linha de raciocínio, choros como Na Glória de Raul de Barros e Flamengo de Bonfiglio de Oliveira são bastante icônicos por trazerem em seus títulos homenagens a bairros cariocas e ajudam a fortalecer essa construção simbólica. Mas o compositor paulistano Esmeraldino Salles decide homenagear o bairro do Sumaré, da Zona Oeste de São Paulo, tornando-o também famoso no meio dos chorões.
Em primeiro lugar é importante entender a relação de Esmeraldino com o bairro. Esmê, como era conhecido, nasceu na Zona Leste de São Paulo, em 1916, mas em 1942 foi convidado a integrar o Regional do Rago na Rádio Tupi, que ficava na época sediada no bairro do Sumaré. A emissora, inaugurada em 1934 na Rua Sete de Abril, se funde à Rádio Difusora em 1940 e se muda para o bairro do Sumaré, formando os Diários e Emissoras Associadas. Esmeraldino então passa a morar no bairro, na Rua Capote Valente, para ficar próximo ao trabalho e acaba morando boa parte de sua vida nesse endereço. Os regionais, formados normalmente por pandeiro, violão, cavaquinho e um instrumento solista, eram contratados pelas rádios na época para acompanhar cantores, principalmente os calouros. Esmeraldino desde então passou a integrar o regional da Tupi, liderado por Rago em 1942, por Siles em 1952 e pelo próprio Esmeraldino a partir de 1958. Foi um dos músicos mais longevos do regional, junto com o pandeirista Zequinha.
Hoje em dia está mais evidente que narrativa é poder e existem disputas políticas pela memória. Nesse sentido, é importantíssimo que o bairro do Sumaré preste homenagens àquele que tornou o bairro conhecido, mesmo que em um nicho específico. E não apenas por isso, Esmeraldino deu uma grande contribuição como trabalhador para as Emissoras Associadas por meio de sua longeva participação no regional. Na época de sua fundação havia uma ideia de transformar o Sumaré na “Cidade do Rádio”, em alusão à “Radio City” da NBC, em Nova Iorque instalada no Rockfeller Center e Esmeraldino é parte fundamental desse processo. Há também uma contribuição de Esmeraldino mais indireta, mas de fundamental importância: o seu filho, já falecido, conhecido no meio do samba como Cássio Preto foi um dos fundadores da escola de samba Tom Maior, território cultural de fundamental importância simbólica para o bairro, o que demonstra não só a ligação de Esmeraldino com o Sumaré, mas também de sua família. E, por último, mas não menos importante, fortalecer a memória de Esmeraldino Salles é fortalecer também uma memória negra do bairro. São Paulo possui o triste hábito de apagar, ignorar ou marginalizar as suas memórias negras. Observa-se isso, por exemplo, no esforço institucional e estatal de atribuir a bairros como Liberdade e Bixiga memórias respectivamente japonesas e italianas, ignorando toda a história negra desses bairros. O bairro tocado por chorões do Brasil e do mundo no choro Uma noite no Sumaré precisa reconhecer e homenagear seu compositor que contribuiu tanto de forma direta e indireta para sua divulgação e construção histórica e simbólica.