Seção “Um lero pelas esquinas” (entrevista): Zé Luiz do Império

(entrevista realizada por Fernanda Guimarães em 17/07/2010 / foto de capa: Bruno Veiga)

“Outras escolas também são como o Império, mas não têm essa espontaneidade porque são escolas que passaram a ter dono, a verdade é essa, entendeu? E não sou eu que estou falando, está aí, é público.”

Sou José Luiz Costa Ferreira, Zé Luiz do Império Serrano. Acho importante lembrar minha infância, porque a época em que eu nasci foi justamente a época em que o Rio de Janeiro era a capital cultural do país, em 1944. Nos meus dez primeiros anos de vida, morei em Santa Teresa e era muito próximo ao carnaval do Rio. Era só descer com o bondinho, em cinco minutos eu já estava na Avenida Rio Branco, no Tabuleiro da Baiana[1], e tudo acontecia ali. Nas rádios, no tempo que antecedia o carnaval, era música pra todo lado: samba, marcha, aquela coisa todinha, Rádio Nacional… Passei por toda essa experiência auditiva. Em casa, meu pai também – apesar de eu não ter conhecido bem – era músico amador. Então o meu próprio ambiente de início de vida já propiciou uma ligação muito forte com a música, e eu tenho essa lembrança muito boa.

Meu pai faleceu quando eu tinha 4 anos. Tenho uma vaga lembrança, mas sabia que era músico, tinha bateria em casa. Ele era baterista. Percussionista era um nome novo. Antigamente era músico de um modo geral, não tinha muito essa coisa de percussão, que era mais formação de grupo: grupo de choro… Tinha músico que acompanhava os cantores, mas no máximo era um pandeiro, um tamborim. A coisa percussiva de escola de samba não existia muito, nas gravações. Era outro tipo de samba. A vida em casa… Era uma família pobre, grande, mas aquela pobreza com dignidade. Éramos sete filhos, então até um certo tempo deu para viver em Santa Teresa, mas depois, com a especulação imobiliária, que acontece, de repente foi ficando difícil, os filhos crescendo, também, então tivemos que sair, fomos para Pilares.

Eu tinha estudado na Escola Municipal Santa Catarina, no Largo das Neves, onde nasci; depois passei um semestre na União das Operárias de Jesus, em Botafogo. Quando minha família se mudou para Pilares, fui para o internato. Foi uma experiência muito boa pra mim. Lá estava todo mundo misturado. Eu era interno por causa da minha condição, mas tinha órfão, internos por diversos motivos, filhos de pessoas desquitadas, até classe média. Era bem tranqüilo. E eu tive uma base escolar boa lá, fiquei dos 9 aos 13. Minha mãe achou melhor:

– Vai lá, porque lá você vai aprender uma profissão.

E, realmente, para ter uma disciplina de vida. Até tinha formação técnica, mas eu não cheguei a fazer. Fiz o Fundamental, depois eu vi que, também, não era obrigado a ficar. Aquilo podia me encaminhar para outra coisa, mas eu queria mesmo era curtir futebol, estudar e ficar com a família. E lá era Latim, Francês, coisa que não se dá mais. Você era obrigado a ler mesmo, nem todo mundo tinha saco, mas era obrigado. Eu já gostava de ler, então a obrigatoriedade só me incentivou mais. Tinha também atividades culturais, sessão de cinema… Eram filmes mexicanos e americanos – musicais ou faroestes – em sua maioria. Foi muito legal. Foi lá que eu assisti pela primeira vez Cantando na chuva, lembro bem. A partir dali, tomei um gosto por cinema e literatura que cultivei bastante ao longo da juventude.

Saindo do internato, fui para o subúrbio em Pilares. Dali é que começou realmente a necessidade de trabalhar cedo, pra ajudar, e parei os estudos. Na verdade eu era muito irrequieto. Mesmo com a necessidade, na nossa casa, nunca foi exigido que eu trabalhasse, porque eu era caçula, mas eu tinha sempre uma vontade de querer ser independente. Eu olhava os outros, e pensava: “pô, fulano já faz isso…”. Então foi muito precoce essa coisa minha de trabalhar, por vontade própria, e foi muito bom, porque fui trabalhando e ganhando meu dinheirinho. Enquanto meus amigos…

Tem uma história que eu sempre gosto de contar, porque na idade que eu parei de estudar, meus amigos continuaram os estudos. E eu tinha que trabalhar, mas era o dono da bola. Trabalhava no horário integral – enquanto uns estudavam de manhã, outros de tarde – e eu sempre sacaneava essa turma, que a bola era minha, eu é que ganhava dinheiro, às vezes eles ganhavam do pai, mas aí eu falava:

– Ah, não vou emprestar a bola, não.

De pirraça mesmo…

Aí eu acabava cedendo e todo mundo saía feliz. Eu sempre fui muito querido pela garotada da minha época por causa dessas coisas. Eu às vezes fazia aquilo, mas depois o coração amolecia, porque sábado e domingo eu estava com eles também. E antes eu fazia parte dessa turma, mas com o negócio de trabalhar eu ficava proibido, pensava “pô, lá vão aqueles sacanas pro futebol, e eu aqui ralando”.

Eu era aprendiz de metalurgia, mas era coisa, assim, para ocupar o tempo mesmo. O que aprendi mesmo na oficina não foi a técnica da profissão: os mais velhos me ensinavam sobre o comunismo. Eu não entendia direito, com 13 anos, e eles me davam os jornais – Granma e Voz Operária – para ler. O Sindicato dos Metalúrgicos era muito ativo no Brasil. Fiquei nessa oficina dos 13 aos 17 anos, até a época em que eu ia ter que servir ao Exército. Trabalhei esse tempo como menor, porque naquela época menor trabalhava. Até tive muita oportunidade de outros empregos, mas a oficina era mais perto de casa. Depois servi ao Exército e fiquei um tempo naquelas de “vou trabalhar onde?”, sem ter alguma experiência profissional, porque nessa oficina eu não cheguei a ser um profissional, eu era ajudante, e não era o que eu queria fazer. Nessa época, quando fui trabalhar na Mesbla, perto da Cinelândia, convivi com gente do teatro e do movimento político da década de 1960. Foi quando encontrei uns amigos que tinham sido meus colegas de turma, quando criança, que abriram um curso desses, supletivos.

E eles me descobriram:

– Tá fazendo o quê?

Eu falei:

– Pô, tô trabalhando ali na Mesbla.

Eu acho que era lá.

– Quebrando um galho aqui.

– Rapaz, vamos pra lá, tô com um cursinho lá, não quer estudar?

E meus ex-colegas passaram a ser meus professores. Era uma bagunça, a gente levava um pouco na sacanagem, porque:

– Pô, a aula tá chata, vamos tomar uma cerveja?

Mas foi legal, também, porque eu consegui estudar, e através deles… É até gozado:

– Tem uma empresa nova recrutando pessoal pra trabalhar aí, a Embratel.

Eu confundi Embratel com Brastel, que era uma loja de eletrodomésticos:

– Brastel?

– Não, é Embratel, não é Brastel, não.

– Pô, vamo lá, então.

Empresa de telecomunicações. Não sabia nada, não sabia o que era telecomunicação, na época; nem eu nem ninguém… Isso era em 1966, 1967. Aí eu entrei em 1968 e fui ver o quê que eram aqueles equipamentos todos, aí é que eu fui entender o que era telefonia, telecomunicações, e o Brasil também estava entrando naquela fase de “Pra Frente, Brasil”, coisa dos militares… Os militares foram responsáveis por essa coisa da integração, o Projeto Rondon, as telecomunicações pra todo o Brasil. Porque tinha uma equipe, realmente, de pessoas que eram muito capazes, do Instituto Militar de Engenharia, esse pessoal. Era outro lado do que estava acontecendo. Tinha aquele lado de os militares serem olhados de uma forma pelo momento político, mas teve esse outro lado, da capacidade técnica, das estatais que foram criadas, e a Embratel foi muito importante nessa integração. Fui me aperfeiçoando, fui vendo o que era aquilo, a dimensão que ia ter aquilo de juntar o Brasil através das telecomunicações, aí aprendi tudo e acho que eu dei minha contribuição lá durante um bom tempo.

Fiquei de 1968 a 1997. Em 1996, 1997 eu já sabia que era uma das empresas que iam ser privatizadas. Mas foi legal. Um grande aprendizado. Tenho o maior orgulho de ter trabalhado lá e colaborado, de alguma maneira, para que hoje o pessoal veja televisão lá em Currais Novos, no Rio Grande do Norte, aquelas coisas. Assisti a muita coisa bacana através do meu trabalho, viajei muito… A gente tinha que fazer curso, então eu fui para lugares onde, quando botava a televisão na praça, todo mundo se arrumava para o evento:

– Olha, vai ser ligada hoje a subestação da Globo.

Foi a emissora que teve mais transmissor. No lugar, o pessoal sentava todo na praça, botava uma roupa bonita pra ver o Jornal Nacional e a novela, era um negócio bacana. E peguei um tempo em que eu viajava e o pessoal mandava trazer uma carta para entregar, porque não tinha telefone, tinha só um Posto Telefônico no lugar, então tinha que marcar hora pra falar. Era comovente… Você vê que uma coisa que eu nem sabia o que era, quando eu estava dentro eu vi a importância social daquilo. Depois, com a privatização, acabou aquele romantismo, mas foi muito bacana.

Quando eu me casei, já estava trabalhando. Casei um pouco tarde, que eu tive bastante tempo de zoar muito por aí… E a música também, porque eu trabalhava, mas já tinha gravado, então consegui conciliar, sempre bem aconselhado e vendo como é que era esse negócio de música. Nunca larguei o trabalho, então tinha condição de curtir as duas coisas. Até porque, às vezes, a pessoa tem uma visão de o sambista ser um cara que ganha muito dinheiro, mas aquilo é muito efêmero. Às vezes até ganha mesmo, igual jogador de futebol, e a pessoa pensa que aquilo vai durar a vida toda, mas está despreparada. Eu vi muito acontecer isso, aquele sucesso rápido e a pessoa depois não saber administrar aquilo, que um dia podia acabar. Então eu sempre fui muito cuidadoso, mas curti muito essa coisa de música. E também continuei a trabalhar. Com uns 30 e poucos anos é que eu fui me casar, constituir família.

Morava sozinho, sempre morei. Eu tenho muita irmã, e de vez em quando:

– Tu tá fazendo o quê?

– Não, tô passando uma dificuldade…

– Vem morar aqui.

Mas nunca fui. Tinha que morar sozinho e, quando eu fui trabalhar nesse lugar já passei a ter uma condição melhor. Não se ganhava pouco; trabalhar numa estatal, naquela época, como a Embratel, a Petrobras… Quer dizer, tinha um padrão dentro do qual dava para viver bem… Eu morava sozinho, morei aqui e ali, até que eu me fixei em um lugar maravilhoso, de que tenho saudade até hoje: a Praça Mauá. Morei ali bem perto da Pedra do Sal[2]. Ainda está lá o prédio. Fui morar ali por comodidade, também, porque a Embratel era ali. As empresas de telecomunicações, Embratel, Telemar, IBM, tudo era ali naquela região. Fiquei alguns anos lá, até… Conhecer Dona Vilma. Começamos a namorar, ela morava aqui e eu morava lá, sozinho, aí eu falei:

– Ah, vamos juntar…

Foi quando nasceu a minha filha Aida, e nós viemos morar aqui em Oswaldo Cruz. Moramos do lado de lá da linha do trem primeiro, e depois eu consegui, com a aposentadoria, vir pra cá e… Já estava a casa apertada, com dois galalaus. São dois filhos, um menino e uma menina. Jorge nasceu no dia de São Jorge, 23 de abril, e me inspirou a fazer Malandros Maneiros, parceria minha com Nei Lopes. Não tem gente que tem musa? Pois Jorge foi meu “muso”. Viemos pra cá, tive a oportunidade de investir no meu sonho – o sonho de todo mundo era ter uma casa, não é? Construímos aqui, estamos aqui até hoje, adoro o lugar… Mas às vezes fica grande demais. Minha filha já não mora mais aqui, se casou, é formada em Jornalismo. Então, estamos por aqui, e é muito legal. Um imperiano morando em Oswaldo Cruz.

Isso no início era muito brabo, era gozado. Brabo, porque… A Portela no auge, e o Império também, eram das grandes escolas de samba, e eu ficava até meio envergonhado de sair vestido de Império Serrano, porque tudo aqui era Portela. Então era meio gozado, ter um imperiano numa rua cheia de fundadores, filhos de fundadores da Portela. Um imperiano era um estranho no ninho. Mas eu sempre tive muita amizade, eu adoro aqui, todo mundo. E o que existia era uma disputa, mas era um negócio saudável. Depois, acabava o carnaval, o Fuleiro era compadre do Nozinho, que era irmão do Natal, que era… E o outro era tio de não sei quem que morava lá. Até hoje existe esse parentesco muito grande entre, pelo menos, essas três escolas: Império, Mangueira e Portela. Esse conjunto habitacional que tem aqui, veio muita gente da Mangueira morar aqui, então virou terra de sambista mesmo.

Em Madureira, Oswaldo Cruz, se misturam as três bandeiras, numa relação bastante curiosa fora do carnaval. No carnaval não, cada um vai lá brigar pelo seu, mas é uma disputa bastante amistosa. Ainda mais agora, que essas três escolas sofrem um processo de exclusão, com as mudanças no carnaval. Acabou o samba de quadra – antes era terreiro, mas depois que a primeira escola cimentou e botou iluminação, passou a ser quadra. Veio carnavalesco, samba-enredo, que começou a dar dinheiro, e isso gerou uma situação de exclusão que fez com que elas se tornassem muito mais unidas. Até porque, coincidentemente, são as únicas que não têm aqueles patrocínios. As escolas sofrem muito com isso, e as comunidades também abandonam um pouco. A Portela, por exemplo, perdeu toda essa comunidade, porque houve um movimento de fora pra dentro… Então a comunidade se afastou da escola. A Portela não desfila mais em Oswaldo Cruz. Era um hábito muito saudável de todas as escolas: no dia seguinte ao carnaval, fosse qual fosse o resultado, a escola desfilava no bairro. Então muita gente perdeu esse encantamento, e quem veio dirigir a escola não teve mais respeito pela comunidade. A Mangueira e o Império ainda têm, queiram ou não, porque a comunidade toda mora… Embora a sede do Império fique aqui, os componentes são da Serrinha, Vaz Lobo, Congonha, Cajueiro, São José e todos aqueles espaços ali. A grande massa de pessoas que freqüentam Mangueira e Império ainda mora por ali.

Eu tinha um tio por afinidade que foi fundador do Império, o tio Zacarias. Quando eu morava em Pilares, ele levava meus dois primos fantasiados para a mãe, que era uma baiana fundadora da Unidos da Tijuca. Ele já era imperiano, porque trabalhava no Cais do Porto, mas a mãe dele era tijucana e saía na Unidos da Tijuca. Ele levava os sobrinhos lá, para mostrar as fantasias dos moleques que saíam na ala mirim da escola. As fantasias eram guardadas com o maior segredo, para que outras escolas não imitassem, mas tinha esse hábito de levar para tomar a bênção da avó. Eu achava aquilo bonito e já era amigo da família.

Onde eu morava tinha os Caprichosos de Pilares. Era uma escola tradicional, também, que eu freqüentava, cheguei a ser diretor, mas o coração mesmo era imperiano, então eu vinha era para Madureira. Já freqüentava o Império, mas nunca entrei para nenhum segmento da escola… Só entrei depois, para ser compositor. E nunca gostei muito desse negócio de disputar samba-enredo, meu negócio era mais samba de meio de ano. E pela minha própria convivência e atividade, o pessoal já começava a me convidar, fui começando a gravar e…

– Pô, entra aqui pra Velha Guarda, vem fazer parte aqui, ajudar de uma outra maneira…

 Ter outras funções na escola. Claro, sendo compositor, mas as escolas de samba, já naquela época, não tinham muita atividade recreativa, como samba de quadra, porque passou a ser tudo em função de samba-enredo… A freqüência nas escolas de samba começou a ser só a partir de junho, voltada para o samba-enredo. Mais um motivo para cada vez afastar mais o pessoal da comunidade. Não fazia mais sentido você ir para as escolas de samba, porque sabia que tudo estava voltado para o enredo ser escolhido. Começou aquele negócio de disputa de samba-enredo. Mas eu sempre estive lá, desfilando na velha guarda, embora não tão mais presente. Só assim, quando tinha uma festa… Eu acho muito bonitas as festas da velha guarda, uma vai visitar a outra, essas coisas. É um hábito…

– Olha, hoje é festa na quadra de não sei quem.

Então elas se visitam – a velha guarda tradicional, que eu acho muito mais importante até do que a Velha Guarda musical. A Velha Guarda musical é importante pelo registro… Mas essa velha guarda, ela é muito mais forte, muito mais… Quer dizer, veste mais a camisa, você vê, os senhores e as senhoras fazem questão de estarem muito bem vestidos… É muito bonito.

Para entrar na velha guarda tem que ter uma idade, é até natural, se tem idade na escola é porque também tem uma idade de vida, não é? Acaba sendo a mesma coisa. Eu saio há 30 anos no Império, então eu não tenho 30 anos de idade, já devo ter 50, então naturalmente aquela pessoa já vai se encaminhando, porque já não vai sair numa bateria… A outra já não, a ala das baianas, por exemplo, é uma ala que está entrando em extinção, porque não tem mais baiana com velocidade para disputar, desfilar numa correria de samba. Então algumas forçam a barra, mas é uma coisa muito delicada, porque passam mal realmente, e as baianas velhas não vão deixar de beber a cerveja delas também, não vai ficar ninguém fazendo concentração, como jogador de futebol, para o desfile. Pelo contrário, elas enchem a cara mesmo de cerveja e vão desfilar, então tem escola em que já estão até recrutando pessoas mais novas pra saírem de baianas. Senão vai acabar, porque é uma exigência que as escolas tenham alas de baianas, mas cada vez se perdem componentes e espaço também, porque a ala de baiana hoje já não é o foco da escola de samba.

Hoje todo mundo quer ver é bateria e rainha de bateria. É o que interessa à mídia. É tudo a mesma coisa… Tudo a mesma coisa não, eu digo isso porque é o que o turista quer ver. A ele não interessa que a ala tal tenha 50 anos, ou que a baiana, ou que aquele lá é o Seu Zé das Couves, que fez o primeiro bloco para virar escola… Isso aí só vai lá no release para divulgação, mas nem o cara que está comentando o desfile sabe disso, nem a televisão e nem principalmente o patrocinador, o que está pagando pelo horário, estão muito interessados nesse negócio..

Com relação à velha guarda ter passado para a parte de trás dos desfiles, existe aí uma controvérsia. Não é bem assim, não, porque a velha guarda vinha como comissão de frente da escola, como quem diz:

– Eu estou aqui apresentando o que eu fiz.

Vinham os veteranos da velha guarda. Isso era a função da velha guarda. Mas aí começou a valer ponto a comissão de frente. Mas se vem todo mundo sendo a mesma coisa, vai ter que dar 10 pra todo mundo, não é? Então aí virou um negócio, igual carnavalesco, apareceu lá coreógrafo, porque está valendo ponto aquilo, então a velha guarda não foi lá pra trás porque quis, nada disso. Inventaram que valia ponto, que estava muito igual. E eu concordo, se mudou a escola de samba eles tinham que mudar algumas coisas também. E para a velharia, pelo contrário, foi muito bom. Eu, por exemplo, se eu estou lá atrás eu já bebi todas as minhas cervejas. Pelo menos no Império Serrano tem esse tipo de comportamento, aquilo ali é pra você desfilar, claro que vai ter o respeito, mas existe a brincadeira.

Essa formalidade que ia ter lá na frente, de todo ano você ter que vir sério, sendo o primeiro, aí depois é que você vai poder beber sua cerveja, vai poder brincar… Pô, é justamente o contrário, eu acho, do que os velhos queriam. Pela seriedade da história, sim, começou assim, os educadores, como Paulo da Portela, uma pessoa mais exigente, queriam assim. A Portela tem essa postura até hoje, de ser uma escola rígida em termos de comportamento. Império e Mangueira, não, o pessoal é bem liberal, então essa coisa da velha guarda ir lá pra trás foi legal, e bem representada, que hoje essa velha guarda tradicional vem em cima de carro, e eles gostam de brincar, então acho que tem esse lado também. Quer dizer, perdeu uma coisa, essa representatividade de ser o primeiro a ser mostrado, mas em compensação ganhou lá atrás, de brincar, porque o cara mesmo fala:

– Eu gastei um dinheiro…

Que eles gastam, e é linho, não é barato, não. Pelo menos no Império Serrano, ninguém queria outra coisa, a não ser vir bem vestido.

– Pô, botei isso aqui pra quê? Pra ficar 15 minutos aí dando até logo? Não vou curtir?

O pessoal reclamava um pouco disso, então eu acho que é legal ter essa posição de vir lá atrás. Porque virou uma coisa obrigatória, que ganha ponto, então, já pensou? Um velhinho lá de 80 anos ter um negócio ali, cair, e…

– Perdeu ponto!

Então houve um senso, uma discussão, que foi favorável a isso. Eu não acho que o que está aí melhorou em nada. Virou circo, aquilo ali para mim não quer dizer nada, se o cara sair de dentro de uma caixa… Aquilo não é samba, é outro espetáculo. Vale para ponto e é bonito, tem certas coisas que são, plasticamente. Hoje o que interessa é o tamanho do carro, a rainha de bateria, a melhor comissão de frente, isso são os quesitos mais respeitados. Sou contra, mas vou fazer o quê?

No Império Serrano já existia uma Velha Guarda musical, formada por Tio Hélio, Fuleiro, os fundadores… Nilton Campolino, Carlinhos Vovô, essa foi a primeira formação. Já existia, mesmo no tempo da Velha Guarda da Portela, mas o pessoal do Império não é muito disciplinado para essa coisa. Tinha qualidade, mas não tinha alguém que chegasse:

– Olha, vamos organizar…

Sabe? Os velhinhos de lá eram mais rebeldes que os velhinhos de cá. Então, quer dizer, chegou um tempo que o pessoal começou a cansar, não teve grande duração. E depois, alguns dos remanescentes dessa Velha Guarda… Campolino, que era uma espécie de guru para mim – eu andava muito com ele e ele gostava muito de mim – falou:

– A Neide voltou agora…

Que foi uma ex-presidente que o Império teve.

– …e eu falei com ela que a nossa Velha Guarda acabou, tá todo mundo aí, e a gente quer formar de novo, quê que tu acha?

Nesse tempo eu já era velha guarda, Wilson das Neves também… Aí, falou comigo, com Wilson:

– Então vamos recrutar aí…

E o difícil foi isso, recrutar as pessoas que tinham uma tradição, uma história com a escola, e mais ou menos alguma habilidade para cantar. Foi muito complicado, porque não tinha realmente, essa… A Portela já vinha há anos, com essa formação. E já tinha acabado esse negócio de pastora, justamente por causa do samba-enredo, já não existia mais samba de quadra. Eu tive que recorrer a pessoas mais antigas e gravações pra formar um repertório, porque nem as pessoas se lembravam dos sambas, de quem eram os autores… Mas nós conseguimos, depois de algum sacrifício, começar a ensaiar, e quando veio, também, veio logo estourando. Conseguimos fazer um CD, com muito sacrifício, porque ninguém aqui do Rio ajudou – a verdade é essa. Foi preciso o pessoal lá de uma ONG, a Cachuera! (Associação Cultural Cachuera!), lá de São Paulo, se interessar pelo projeto.

A Velha Guarda do Império Serrano só tem um disco. Tem uma gravação de show ao vivo, da primeira formação, mas não chegou a sair em disco, era o programa Ensaio… E também algumas participações. O resto tem shows, tem disco do Campolino com Mestre Aniceto, Fuleiro com Mano Décio da Viola, algumas coisas assim, mas como formação, Velha Guarda mesmo, não. Só tem esse que foi feito há alguns anos, e distribuído pela Biscoito Fino. Ainda deu tempo de chegar numa hora… A da Mangueira, já tinha sido criada, não sei, mas acho que sim. Depois da da Portela.

Só faltava a gente mesmo, e… Salgueiro, que também não teve muita chance de formar uma boa Velha Guarda, porque o Salgueiro é uma escola mais nova, de 1953, quer dizer, muitos elementos da Velha Guarda do Salgueiro – Geraldo Babão, Noel Rosa de Oliveira, Anescarzinho – não tiveram tempo… E nós não tivemos essas pessoas da primeira formação, mas tivemos o Campolino, que não participou do disco – não teve tempo, também –, mas deu uma orientação, e as pessoas que estavam ali também tinham história, o filho do Mestre Fuleiro, eu, Ivan Milanez, Balbina, Wilson das Neves, todo mundo tinha uma história na escola. E ficou legal, o repertório, foi legal de montar. Como o Império tem muito samba-enredo famoso, nós tiramos os sambas-enredo, porque já tem muito registro, então nós pegamos mais os sambas de terreiro. E aí houve um consenso muito legal, com os sambas menos conhecidos e mais bonitos – opinião minha. Eu falei:

– Olha, é melhor gravar isso agora, porque os outros já foram muito gravados.

Tanto é que um dos sambas mais conhecidos do Silas, que é de terreiro, Meu Drama, nós não gravamos. Houve lá umas briguinhas de vaidade, porque ninguém podia, dos componentes, botar samba seu. Era para registro mesmo do que foi. Porque a gente está aqui, vivo, ainda grava, mas esses sambas não… Era pra ser uma história, realmente. Aí houve uns choques de vaidade, entrou um samba do Aluízio Machado como marca da geração nova, mas todo o resto foram sambas só do pessoal da antiga mesmo. E como era eu que dirigia, eu dei minha opinião de que não era legal, que ia começar a ter briga de interesse.

– Meu nome tá aí, meu samba tá aí…

E isso a gente sabe – eu pelo menos sei – que isso não dá dinheiro. O disco é caro… Naquela época nem estava tão próximo, mas eu sabia que o CD ia acabar, que o mercado fonográfico ia ficar cada vez pior, mas as pessoas não entendiam isso, era a vaidade de ter um samba no CD da Velha Guarda. E eu falava:

– Isso é bobagem, se eu quisesse, tem samba meu aí, eu ia botar, o Wilson das Neves também, mas prefere fazer disco dele próprio, de carreira. Acho que fica muito mais legal a gente fazer isso, pra não ter esse tipo de conflito entre a gente mesmo… Agora, no show sim, no show, cada um, além de cantar os sambas do disco, da Velha Guarda, pode cantar seus sambas.

Aí foi dada essa idéia, e todo mundo:

– Não, realmente fica mais legal.

Paulão 7 Cordas, também, que foi o produtor, concordou e passou isso pro pessoal. De repente eu fazer uma regravação de Todo menino é um rei, não tem nada a ver, embora Roberto Ribeiro tenha sido imperiano, mas tiraria toda a característica da história que a gente queria contar. E ficou muito bacana, embora caro, que na Biscoito Fino os discos são caros… Mas não deixa de ser legal, não é? Nós agradecemos, realmente, a quem botou o dinheiro para montar o disco, que foi a Cachuera!, lá de São Paulo, que fez o investimento. E a Biscoito Fino, houve um interesse, porque, queira ou não queira, eles têm um acervo de qualidade. Mas as pessoas reclamam:

– Não vejo o CD de vocês em lugar nenhum

Eu falo:

– Vai pela internet, porque nas lojas vai ser difícil encontrar.

E tem também a pirataria, porque não adianta. Zeca Pagodinho mesmo já falou com a gente:

– Pô, minha maior vontade era que o meu disco custasse R$ 5,00. Não custa isso e ainda é pirateado.

Então, quer dizer, tem esse lado, de que raramente alguém tem o CD original da Velha Guarda do Império Serrano por isso, vai ter quem curte mesmo a coisa… Mas o lado ruim é esse, que não ficou o que a gente gostaria de atingir, a massa do público. E também o apadrinhamento: ninguém se ofereceu pra ser o mecenas do Império Serrano, embora tenha a Dona Ivone Lara, o João Bosco, tem pessoas que a gente sabe que são imperianas, mas não teve alguém, assim, que comprasse o nosso barulho. Nós não tivemos a nossa Marisa Monte da vida, para fazer isso aí, mas tudo bem, a gente está lá, satisfeito com o que foi feito.

Eu comecei a sair da Velha Guarda do Império pelo desgaste, normal, e já antevendo esse negócio de substituição, porque todo mundo tem opinião no grupo. Eu já estava vendo que nós perdemos Toninho Fuleiro, perdemos outra pastora, a Tia Nini, aí o grupo foi diminuindo, mas a formação básica estava boa. 11 pessoas está de bom tamanho, mas ia ter que ter uma renovação, e pelas opiniões que vinham, aparecia um negócio de interesse, de amizade…

– Chama fulano.

– Pô, mas fulano?

Aí eu vi que ia começar a entrar em choque, porque a minha liderança ali era natural, não foi nada imposto. Tanto é que as pessoas no início aceitavam, como o Wilson das Neves, mas o Wilson:

– Não, eu também não tenho muito tempo…

Aí a coisa ficou toda na minha mão, e é muito chato você não querer ser ditador, mas às vezes tem que dizer:

– Chega, então vão fazer vocês lá…

É que nem o Romário falou:

– Pô, sentei, tô aqui, você entrou agora e já quer vir pra a janela? Não, vamos puxar o currículo… Então vamos respeitar um pouco!

Já estava começando esse tipo de confronto que eu não queria. Porque algumas pessoas achavam que fazer parte da Velha Guarda já era um status que se dava a eles, e é, mas não passaram pela coisa como deveria ter sido historicamente:

– Ó, eu comecei daqui, fui, fui…

Comecei a ver, assim, não chegava a ser insubordinação, mas:

– Não, a gente sabe fazer…

Quer dizer, começou a se criar um desgaste normal, e eu, não querendo defender nem atacar ninguém, ficava na minha. E sempre tinha que ir, porque era eu que organizava, e era um dos vocalistas. Sobravam poucas pessoas que faziam isso, a gente não tinha uma banda constituída, nem a Portela tem, ninguém tem. Então tinha que ter músico de apoio para fortalecer o show, e isso tudo é dinheiro, aí o pessoal já comentava:

– Pô, o cara que vai tocar violão vai ganhar a mesma coisa que a gente?

Aí eu pensei “é, já chega, está na hora. Já deu desgaste, então eu vou parar por aí”. E deixei. Esse negócio da substituição é justamente isso, porque vai passar por esse tipo de problema também. O cara vai ser convidado e vai ficar na expectativa de que vai fazer… Hoje mesmo saiu no jornal, eles gravaram com Zeca Pagodinho, uma música com a Dona Ivone… Todo mundo lá, é legal. Isso só me traz orgulho de ter contribuído para isso, mas eles têm que saber usar isso de o Zeca ter chamado a Velha Guarda. Ele chamou porque é uma música da Dona Ivone, então tem que saber que a instituição é muito mais forte do que essa formação de Velha Guarda. Porque é Império Serrano, o nome está acima de qualquer coisa. Foi muito difícil passar isso pra eles todos. E eu já estava um pouco cansado, queria ter tempo pra cantar meus sambas por aí. Mas foi legal, foi muito bom até aqui.

Essa Velha Guarda musical se formou há dez anos, por aí. Eu sou muito cético em relação a essa terceira geração. A não ser que se faça um disco com a formação nova, ou com alguns outros elementos, mas obedecendo à proposta inicial, porque ainda tem muita coisa para ser apresentada, como teriam a Portela e a Mangueira também.

Tantinho, por exemplo, com Xangô da Mangueira, Nelson Sargento, Jurandir da Mangueira, faziam parte da primeira formação da Velha Guarda da Mangueira, mas eles saíram justamente porque começou a ter esses choques de opinião, de visão. Depois Tantinho conseguiu fazer dois discos maravilhosos sobre a Mangueira, que não tinham nada a ver com a Velha Guarda. Então há muita coisa aí, eu posso gravar um disco cheio de samba… Até queria fazer isso, não só do Império, de samba que eu sei que – não é nenhuma pretensão – só quem vai saber sou eu, Tantinho, Sérgio Cabral, Ricardo Cravo Albin ou Elton Medeiros, porque tem pessoas que estão aí que são desse tempo, conhecem samba, entendeu? É coisa de tradição oral mesmo. Mas tem muita coisa ainda para ser gravada e registrada, então o trabalho sobre isso não pára nunca. Agora, sobre formação, aí fica mais complicado, porque, nem todas as pessoas vão ter esse mesmo tipo de observação que a gente tem.

As mulheres, na velha guarda, sempre tiveram uma participação importante. O Império eu acho que é até inovador nisso, também. A velha guarda do Império não tinha mulheres, e acho que foi a primeira a ter. Eu acho legal, porque várias vezes acontece de serem da mesma casa, mulher e marido, e os dois serem de velha guarda. Uma sai lá, o outro aqui, então por que não fazer parte do próprio segmento ali? E a mulher, claro, tem um papel, em qualquer setor, mas ainda mais no samba… Ela é a mãe do samba, realmente, ela tem a história bonita da cozinha, dessa coisa da arrumação, que eu via, da quadra… E não é um serviço depreciativo, era uma coisa que elas também gostavam de fazer, botar a escola bonita, enfeitar, ter uma participação, e além do mais tem o lado artístico disso, que era o canto.

As pastoras eram muito mais importantes que qualquer coisa, para um compositor. Com a voz delas, com o tom de voz, que tinha que ser delas, aquele tom pra cima, era que se engrandecia o samba do compositor. Então nenhum compositor ia querer chegar na quadra e ver que não tinha pastora. Essas pastoras é que iniciaram isso tudo aí, são hoje a velha guarda, são as matriarcas do samba, como Dona Ivone, que é a grande representante que tem aí, como foi Dona Neuma, Tia Zica, Tia Zezé do Salgueiro, Tia Alice, Doca, Tia Eunice, essas pessoas com as quais eu tive o prazer de conviver. É uma pena que tenha que ter essas duas velhas guardas, uma musical, que cria realmente um tipo de inveja feminina… A masculina já é, claro, mas a feminina, realmente, se cria um negócio:

– Eu canto mais do que ela!

– Eu sambo mais do que ela!

Essas coisas todas… Mas só pode ter duas, três, e não houve nenhuma votação. E aí é meio complicado, mas nada que depois, quando a coisa está bonita, não se entenda que foi para o bem da agremiação. Acho que todas elas gostariam de estar lá também, até por uma questão de direito, de ter feito parte, de ter lutado… A única coisa que eu lamento é que eu acho que todo mundo da velha guarda tinha que estar lá, em cima do palco, tanto homem como mulher, fazendo parte daquele momento. Mas, de qualquer maneira, se elas lá no fundo sentirem, elas estão sendo homenageadas, estão fazendo parte daquilo.

E a coisa da religião, no Império, tem toda a relação, a batida da bateria do Império, por exemplo, é totalmente diferenciada, justamente pela religiosidade que existia, que sempre existiu na Serrinha, nas comunidades, em Congonha, Tamarineira, Cajueiro… Era macumba, jongo, candomblé, e essas coisas todas envolvem tambor, não é? Então tudo isso tem esse tipo de batida que na escola, no samba, você já vê o andamento, a característica da escola. O Império tem muito isso, e todas as escolas aqui, do Rio, têm alguma ligação com santo. O do Império é São Jorge, que por incrível que pareça é mais famoso que o santo oficial da cidade, que é São Sebastião. Desculpa, mas São Sebastião fica no segundo plano, porque São Jorge, agora, virou até moda.

São Jorge sempre foi o santo venerado, pelo Rio de Janeiro, pelo carioca, e principalmente pelo Império, então há essa coisa do envolvimento do santo, bem representativo mesmo, dentro da quadra, essa veneração. Além do preceito de as pessoas serem dedicadas àquele culto ali, àquela coisa. O Império continua mantendo essa religiosidade dele, um pouco distribuída entre umbanda, candomblé e um pouco do jongo, que não chega a ser uma religião, mas é um tipo de procedimento de quem vem mais do norte do Estado, aquela coisa mesmo de escravo, bem africana, realmente… E essa mistura deu no Império Serrano, então você sente na batida, no tipo de andamento, muita africanidade.

Outras escolas também são como o Império, mas não têm essa espontaneidade porque são escolas que passaram a ter dono, a verdade é essa, entendeu? E não sou eu que estou falando, está aí, é público. São Paulo tem uma coisa muito engraçada: as escolas têm dono, mas porque têm dono mesmo. É a escola de Seu Nenê, porque foi Seu Nenê que fez no terreno dele, e vai passando de pai para filho. Isso é legal, mas nem esse tipo de administração dá certo. Mas pelo menos lá tem dono, não houve uma apropriação, de alguém que veio e comprou, como aqui. E dizem que foi o próprio sambista que deixou isso acontecer, mas não é, é que a coisa foi tomando um gigantismo. E na verdade o artista, não é porque seja pobre, seja favelado, é porque ele não sabe tomar conta disso. O cara não pensou: “eu vou me tornar administrador, pra tomar conta da minha escola de samba.” Não estava nem aí. Mas os mais sabidos, eles já vinham administrando alguma coisa, então sabem como é que toma conta de dinheiro, ainda mais esse tipo de dinheiro, assim, mole. Então tomaram conta, realmente, e os sambistas falaram:

– Legal, minha escola é campeã, tá bonita, né?

Nessa ilusão eles foram…

A postura do Império Serrano vem de um outro tipo de fundação. Seu Paulo da Portela era um disciplinador, queria todo mundo alinhado, para valorizar o sambista, e isso é legal, e em qualquer escola existe. Agora, o tipo de cabeça do sambista imperiano é um diferencial, que os outros também tinham, mas passaram a não ter. Aí a gente já vai cair num outro problema, do negro, de ser subserviente e achar que chegou um cara que sabe mais do que ele, então o cara é que é o bom, e ele, coitado, não sabe nada, então precisa ser obediente a ele, essas coisas. Vai cair nisso, claro.

Mas, vamos parar o discurso por aí e deixar apenas como uma rebeldia normal que a escola tem, pela sua própria história. Candeia, embora tivesse sido seguidor de Paulo da Portela, se rebelou contra justamente aquilo, que ele não queria ser escravo de ninguém, então fez a escola de samba Quilombo, da qual eu também participei, sou fundador, junto com Nei Lopes, Wilson Moreira, Luiz Carlos da Vila, Flávio Moreira, Waldir 59 e Rubem Confete, formamos a ala de compositores do Quilombo.

Quer dizer, eu sempre tive essa atitude, ninguém vai me prender aqui. Se eu achar que adoro isso aqui, a cor da camisa que eu estou defendendo, é legal; se não estou achando legal, eu dou palpite mesmo, vou achar que não é assim. Acho que tem que ter atitude.


[1] Estação terminal de bondes entre a Av. Treze de Maio e a Rua Senador Dantas, no Centro do Rio, demolida na década de 1960 quando foi construída a Av. República do Chile (Cf. Rodriguez, 2004, p. 154).

[2] Monumento histórico e religioso no bairro da Saúde, perto do Cais do Porto do Rio de Janeiro, por onde se pode subir para o Morro da Conceição. A Pedra do Sal foi tombada em 20 de novembro de 1984, originando-se o processo de texto do historiador Joel Rufino dos Santos (Cf. verbete “Pedra do Sal” na página Wikipedia, http://pt.wikipedia.org/wiki/Pedra_do_Sal, último acesso em 27 de dezembro de 2010).

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