Do livro: “Rua dos artistas e arredores”, Ed. Mórula, 2017.
– Desde sábado? Mas Hoje é quinta!
A frase cortou a mesa de jantar como a barbatana desse tubarão otário que andou fazendo sucesso nas telas e na imaginação de nossos mais representativos mentecaptos.
– Tu ficou muda mulher? Hoje é quinta!
-Eu sei Aderbal, mas o Júnior só me falou hoje e eu pensei…
-Pensou? E desde quando tu pensa? Cadê o Júnior?
Adentra o recinto Aderbal Júnior, sete anos, anêmico, magricela e chato. Obviamente como todo garoto anêmico, magricela e chato, o Júnior tinha problemas intestinais. Pra sermos exatos, borrava-se frequentemente. Nada mais compreensível, portanto, que a aflição de Aderbal pai, ao saber que o Júnior há seis dias não fazia cocô.
Telefona pro doutor Waladão!
Enquanto a família aguardava o esculápio, uma prestativa vizinha, tendo ouvido apenas um berro do Aderbal do tipo “ta entupido”, chamou Iná, a desvairada mãe, pelo muro e sugeriu:
– Põe soda cáustica, minha filha.
– Bota na tua velha!
O Aderbal, normalmente tão educado, tido na rua dos Artistas como “um doce de coco” , tava um bocado nervoso. Tanto que destratou também a dona Otília, outra ótima vizinha, que, após atravessar a rua para averiguar o motivo dos gritos, aconselhou com sua peculiar sabedoria:
-Ora, enfia a pontinha de um talo de couve molhado no azeite.
E o Aderbal, aparvalhado:
-Enfia aonde?
-Ué, no cuzinho…
– Talo de couve a senhora enfia na sua horta. No meu garoto, não!
Choviam sugestões:
– Chama a Heronda pra benzer a barriguinha dele.
– Manda comprar limonada purgativa
Os priminhos do Júnior, cândidas e adoráveis crianças, não compreendendo a gravidade da situação, entoavam em coro:
– Saco de bosta! Saco de bosta!
Aderbal, pai extremoso, tomou a defesa do filho:
– Ou essas pestes param com a cantoria, ou eu arrebento um! Eu arrebento um!
Tio Odorico, pai do menino que regia o coro, não gostou:
– Olha aqui Aderbal! Se tu encostar a mão no meu garoto, quem vai precisar de médico é você!
Aderbal, que já estava exasperado, deu prodigioso salto até a mesa onde jazia o jantar e arremessou uma travessa cheia de risoto de camarão em tio Odorico.
Felizmente errou o alvo.
Infelizmente acertou em cheio a cara da esposa.
Houve um tumulto dos diabos, contornado graças a diplomacia do meu avô Aguiar:
-Noêmia, traz o meu revólver.
Mas a paz durou pouco, porque o Penteado, tremendo gozador, fez uma piada infeliz:
– O menino com prisão de ventre e os adultos fazendo cagada!
Recomeçaram imediatamente as sugestões, os berros, o choro da Iná, o corinho de saco de bosta. Aderbal, momentaneamente ensandecido, gritava a esmo:
-Bota na velha! Arrebento um!
Dizem até que meu avô chegou a disparar duas vezes para o alto. Toda rua na Janela. Frases chocavam- se nos oitis como pássaros malucos.
-Dá um chazinho de erva-cidreira.
-Chama a rádio patrulha!
-Eu boto a tropa na rua!
Até Isolda, que morava quase em frente, pediu a Rodolfo que interrompesse as pancadas, e vieram os dois, abraçados, pro portão.
Nesse instante, saltou de um Citroën o doutor Waladão, recebido com aplausos e gritos dos moradores:
-Graças ao bom Deus!
-Aí, mocinho!
-Fala, ô roto-ruter!
Doutor Waladão ouviu o caso com semblante de águia, aproximou-se do Júnior e, com a frieza dos grandes discípulos de Hipócrates, sibilou:
-Não há mais nada a fazer. Acocorado num cantinho do sofá, o Júnior, anêmico, magricela e chato como sempre, estava, como sempre, todo borrado.